A praga dos gafanhotos TVDE atingiu Lisboa

Desde o embate entre os taxistas e os uberistas, os primeiros civilizaram-se, inovaram e urbanizaram-se. Já os TVDE fizeram o percurso inverso.

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Chamem a polícia! Sobre Lisboa abateu-se a praga dos gafanhotos, aqueles que exibem uma placa TVDE. Não voam, mas deslizam rasteirinho às centenas pelas ruas da capital e entopem tudo o que é sumidouro de trânsito.

Ainda há pessoas que, de volta e meia, me perguntam se sei o que significa “aquilo ali na viatura da frente”. E eu lá lhes respondo que sei, e disparo a descodificação para gafanhotos com dispositivo electrónico. Sei que não saltam, e, em vez de três pares de pernas só têm dois pares de rodas, mas formam enxames e importunam quem circula à sua volta.

Em tempos idos, numa pacata tarde de sábado, entre o alto de Campolide e o Liceu Passos Manuel, a Santa Catarina, avistei ou passaram por mim 14 TVDE e dois táxis. Noutra ocasião, mais recente, alguém descendo a Rua de São Bento pela manhã contou 20 TVDE e um táxi. Na mesma rua, outro amigo meu, estando à espera de autocarro, avistou quase igual número de gafanhotos e de outras viaturas ligeiras. Há dias, parei a observar o tráfego na Rua do Ouro com a Conceição, a praia dos táxis, e contei 13 gafanhotos conta três táxis. Desisti.

Continuo a usar o táxi quando necessito, e lá por casa só os mais novos se aplicam ao telemóvel a chamar os TVDE. Antes, zurzia contra os ditos fogareiros que, ocupando as duas vias da estrada, vociferavam contra os condutores, se comportavam vezes sem conta como brutamontes do trânsito, que pretendiam prioridade e prerrogativas de tráfego porque eles estavam a trabalhar, mas os outros nunca.

Acho que desde o ido embate entre os taxistas e os uberistas, os primeiros se civilizaram, se adaptaram ao novo comércio de transporte privado, inovaram e urbanizaram-se. Já os TVDE fizeram o percurso inverso: compraram os maus atributos dos antigos fogareiros, e nem precisam de replicar que estão a trabalhar, impõem-se e interpõem-se no trânsito à força temerária, perderam a compostura e a educação, refilam, vociferam e injuriam se para aí estiverem. Fazem mesmo pior, porque ofendem elementares regras de trânsito, passam por vermelhos e, se for caso disso, até circulam em sentido contrário, e sim, param em qualquer sítio obstruindo intencionalmente a fluidez do tráfego, mesmo quando ali ao lado haja espaço para dar passagem aos demais.

Há meses atrás, pessoa conhecida foi interpelada e injuriada por um gafanhoto que queria ter prioridade mudando de faixa de circulação, abruptamente e sem sinal nenhum, a vinte metros de um semáforo, pisando um vistoso traço contínuo que o impedia de invadir a faixa à sua esquerda. Furioso, acabou por perpetrar o intento, encafuar-se à frente do outro veículo que raivosamente tangenciou, parar, sair da viatura, com cliente, vir vociferar impropérios à condutora ordeira e respeitadora e, não contente com o espalhafato indecoroso, desferiu um violento murro no pára-brisas da viatura alheia, quebrando-o, não sem antes ter esvaziado o depósito salivar na janela da viatura atingida pelo malcriado e incivilizado gafanhoto TVDE.

Claro está, sublinho apenas casos e os casos não fazem a floresta. Mas sim, são estes os casos que já não são casinhos na cena lisboeta, mas verdadeiros sintomas da praga em que muitos TVDE se transformaram. Recomendo que apaguem a aplicação estrangeira e usem a congénere dos táxis, porque mesmo conhecidos por fogareiros, mas agora civilizados, prefiro-os aos gafanhotos sem decoro e regras que infestam a cidade.

Reparem que até as características cores verde e preto voltaram para ficar, e temos agora verdadeiros táxis à portuguesa. Até nisso são melhores e devemos-lhes a perseverança de terem deitado ao lixo uma decisão irracional do tempo cavaquista que pretendeu “europeizar” as cores dos táxis abastardando o verde/preto tradicional num leite-creme hispano-germânico importado. Prefira os táxis, porque com eles sabemos quem vai lá dentro. Adoro uma boa “corrida” de táxi que, em nove minutos, me pôs no Rossio, mesmo a tempo da escritura no notário. O dia começou bem.

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