O body horror de Cronenberg e o free cinema de Lorenza Mazzetti no Batalha

Eis Setembro, Outubro e Novembro, a segunda temporada do Batalha Centro de Cinema, no Porto.

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Together, de Lorenza Mazzetti
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Em momento de balanço da sua actividade 18.927 espectadores, entre Dezembro de 2022 e Julho de 2023, ao longo de 209 sessões, 60 das quais exibindo filmes portugueses — o Batalha Centro de Cinema, no Porto, apresenta a sua segunda temporada. Os meses de Setembro, Outubro e Novembro deste ano serão preenchidos com retrospectivas dedicadas a David Cronenberg e Lorenza Mazzetti, com um ciclo sobre histórias de Moda e Cinema ou com um programa sobre a publicidade a partir do percurso do pioneiro portuense Raul de Caldevilla.

A retrospectiva de Cronenberg, entre 8 de Setembro e 15 de Dezembro, é anunciada como a mais completa até à data em Portugal. Estão programadas todas as suas longas e curtas-metragens, ainda títulos de outros autores que marcaram o canadiano e o movimento de devolução, por assim dizer, as obras que foram influenciadas pelo seu cinema. O que faz com que aos títulos de um percurso iniciado com a curta Transfer (1966), aos filmes do período de afirmação da obra dentro do "género" body horror e da consagração e expansão filosófica que por alturas de M. Butterfly (1993) e Crash (1996) atinge um pico autoconsciente e paródico, e, finalmente, ao regresso à longa-metragem com o exemplarmente chamado Crimes do Futuro, oito anos depois de Maps to the Stars, fase que ainda é um work in progress (está a rodar The Shrouds), acrescentam-se, por exemplo, Tornar-se um Homem na Idade Média, de Pedro Neves Marques (2022), Don't Look Now, de Nicolas Roeg, filme que faz 50 anos, Raw, de Julia Ducournau, Kustom Kar Kommandos (1970), de Kenneth Anger ou Tetsuo (Tetsuo: The Iron Man), de Shinya Tsukamoto (1989).

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David Cronenberg

Lorenza Mazzetti (1927-2020), por comparação, é um nome confidencial. Coloquemo-la na História: italiana de Florença, apanhada pela tragédia da Segunda Guerra Mundial, recolocada posteriormente em Londres, juntamente com Lindsay Anderson (1923-1994), Karel Reisz (1926-2002) e Tony Richardson (1928-1991) esteve presente na sessão de 5 de Fevereiro de 1956, um misto de golpe publicitário e crença, que apresentou um manifesto no londrino National Film Theater. Era anunciado o free cinema.

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Lorenza Mazzetti Fototeca Storica Nazionale.

Segundo o ideólogo Anderson, o mais agressivo dos quatro, que repescou uma expressão que usara num artigo em que desvalorizava o Hitchcock americano, mostrava como detestava David Lean e o cinema inglês, que achava desprovido de compromisso político, o cinema devia ser free no sentido de se libertar "da propaganda" e "das bilheteiras", porque no film can be too personal.

“A dimensão é irrelevante”, “a perfeição não pode ser objectivo”, “uma atitude significa um estilo e um estilo significa uma atitude”. Era este o manifesto. Para o acompanhar, três curtas-metragens, rodadas com uma câmara Bolex, 16 mm, que só permitia takes de 22 segundos, que não possibilitava som síncrono, mas cujo espírito “amador” elevava os limites a manifestos de estética, poesia e economia.

Foi um acontecimento a projecção de O Dreamland, ou a classe média num parque de diversões pelo olhar já então belicoso de Anderson, Momma Don’t Allow, de Reiz e Richardson, ou o espectáculo de um combo de jazz como microcosmos social, e Together, de Mazetti. Que era a única ficção dos três, e também o único rodado em 35 mm. Igualmente o isola, isto é, particulariza-o face ao "realismo" do free cinema, o tom de fábula, dívida de Mazzetti ao realismo poético francês e ao neo-realismo italiano: num bairro industrial de Londres, cenário pós-apocalíptico, dois surdos-mudos, operários das docas, são como que personagens de uma pantomina e de um silent movie pelas experiências de Mazzetti com o som e com o silêncio.

É, claro, um dos títulos da retrospectiva. Juntamente com K (Metamorphosis) (1956), sobre Metamorfose, de Kafka, o seu primeiro filme, que antecipou o que se viria a passar, o anúncio do Free Cinema, e aquilo que Mazzetti fez no regresso a Itália deslocou-se a Cannes para receber um prémio por Together e não voltou a Londres. Em Roma seria convidada por Cesare Zavattini para o filme colectivo Le italiane e l'amore, mas cedo o seu trabalho extravasou do cinema para a escrita (as colunas que escreveu para a revista Vie Nuove estão publicadas num livro de recolha, um dos vários títulos que publicou), daí para o teatro de marionetas e para a pintura.

Com curadoria de Guilherme Blanc, Hanayrá Negreiros e João Sousa Cardoso, Sobre-vestir: Histórias de cinema e moda será um ciclo temático, entre 2 de Setembro e 28 de Outubro. Serão exibidas obras de Peter Greenaway, Lynn Hershman-Leeson, Kenneth Anger, Paulo Rocha e Akira Kurosawa, entre outros. De 16 de Setembro a 11 de Novembro, o programa Publicidade e Cinema: de Caldevilla ao Cinema Novo parte do percurso de Raul Caldevilla — fundador da Caldevilla Film e considerado o criador do filme publicitário em Portugal. Com curadoria de Eduardo Cintra Torres, Hugo Barreira e Pedro Leitão, o ciclo inclui uma aula aberta com uma seleção de filmes publicitários portugueses, rodados entre os anos 20 e os anos 70, ainda a longa O Cerco (1970), de António da Cunha Telles, e uma sessão com obras publicitárias realizadas por cineastas portugueses como Fernando Lopes e António de Macedo. É no âmbito deste ciclo que será apresentada uma exposição nos foyers do Batalha.

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