Adiar sentença de Rui Pinto “não faz qualquer sentido”, diz ex-bastonário dos advogados
Regime de amnistia da Jornada Mundial da Juventude poderá abranger mais de 80 crimes do hacker. Juíza adiou sentença, mas Menezes Leitão critica especulação: “Lei ainda não foi aprovada”.
O ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, considera que o adiamento da sentença do processo de Rui Pinto não tem qualquer cabimento, por ter como fundamento uma lei que ainda não está em vigor. Mais concretamente, o regime de amnistia e perdão de penas aplicável aos delitos praticados por jovens entre os 16 e os 30 anos até às 0h do dia 19 de Julho, lei que está a ser discutida por ocasião da vinda do Papa Francisco a Portugal no âmbito da Jornada Mundial da Juventude.
“Acho que não faz qualquer sentido um tribunal estar a alterar a gestão dos processos que lhe compete com base numa lei que ainda não foi aprovada, nem que se sabe em que termos o será. Ainda por cima, alterando as datas [da sentença] consoante estar ou não aprovada. Os tribunais não estão dependentes do Parlamento, são independentes”, critica Luís Menezes Leitão.
Rui Pinto iria conhecer esta quinta-feira a decisão de um processo que se arrasta há dois anos e meio, mas a leitura da sentença foi protelada: em causa está a hipótese de mais de 80 crimes da acusação poderem estar abrangidos por este regime de amnistia e perdão de crimes aos mais jovens. Apesar de ter agora 34 anos, a maioria da criminalidade imputada pelo Ministério Público a Rui Pinto teve lugar entre 2015 e 2018, período em que o denunciante estava ainda abaixo da idade limite para este regime.
A juíza titular do processo, Margarida Alves, explica esta terça-feira em comunicado que a discussão da lei aponta para a queda de todas as infracções cuja moldura penal não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa. Ou seja, numa acusação com 90 crimes, mantêm-se apenas os delitos relacionados com a tentativa de extorsão à Doyen e os do foro da cibercriminalidade. A leitura de acórdão foi adiada para o próximo dia 31 de Julho de 2023, pelas 14h30, caso a lei da amnistia entre em vigor até ao dia 28 de Julho de 2023. Se tal não suceder, Rui Pinto conhecerá o seu destino só a 11 de Setembro próximo.
“Parece-me que não é adequado para a imagem do poder judicial que se estejam a alterar agendas de processo com base em leis que não foram aprovadas. Depois, parece que há uma pressão sobre o Parlamento, à espera que o Parlamento decida. A separação de poderes, a meu ver, impede que qualquer destas coisas aconteça. Por isso é que acho isto bastante surpreendente”, reitera o ex-bastonário.
Enquanto advogado, Luís Menezes Leitão participou num processo em que se aplicou um regime de amnistia a uma contra-ordenação. Esta situação, contudo, não levou ao reagendamento dos trabalhos, mesmo sendo já prevista antes da sentença. “Já tive um caso há muitos anos e o tribunal fez o julgamento. Calculávamos que viria a amnistia, mas o julgamento não deixou de ser feito. Na minha experiência como advogado, não conheço adiamentos de processo por causa de amnistias”, relembra.
A lei da amnistia e do perdão de penas tem levantado dúvidas de constitucionalidade entre vários especialistas. Em causa está o facto de serem apenas amnistiadas ou verem as suas penas perdoadas as pessoas com menos de 30 anos, o que pode configurar uma discriminação em função da idade e, por essa via, uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição. O Governo justifica a definição dos 30 anos por ser a idade-limite da Jornada Mundial de Juventude, considerando que se “justifica moldar as medidas de clemência a adoptar à realidade humana a que a mesma se destina”. Esta questão também levanta dúvidas a Menezes Leitão.
“Tenho esperança que acabe por abranger toda a gente, não me parece que de outra forma fosse sequer constitucional. Pode gerar uma situação perfeitamente absurda de estarem na mesma cadeia duas pessoas condenadas pelo mesmo crime [cometido] em datas diferentes. Uma dessas pessoas sai [em liberdade], a outra fica lá. Parece-me que não faz sentido algum, na minha opinião”, analisa o antigo bastonário.
O processo de Rui Pinto teve início em Setembro de 2020, arrastando-se há quase três anos. O pirata informático é acusado de 90 crimes e aguarda julgamento sob protecção da Polícia Judiciária no programa de protecção de testemunhas, depois de ter assinado um acordo de colaboração com esta autoridade.