Experimentámos o Threads, o clone zuckerberguiano do Twitter de Elon Musk

Nova rede social da Meta, dona do Instagram e do Facebook, foi lançada nesta quinta-feira e é uma versão simplificada do Twitter. O PÚBLICO experimentou-a a partir dos Estados Unidos.

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Threads, concorrente do Twitter, foi lançado pela Meta na noite de quarta para quinta-feira Reuters/DADO RUVIC
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Há finalmente uma alternativa real ao Twitter? A Meta, empresa detentora do Instagram e do Facebook, antecipou para a madrugada de quinta-feira o lançamento do Threads, a nova rede social assente em publicações curtas de texto com que tentará combater a influente plataforma de Elon Musk, cuja qualidade de serviço tem-se degradado drasticamente desde a sua aquisição pelo multimilionário em 2022.

O novo produto ainda não está disponível em Portugal, nem nos restantes países da União Europeia. A empresa de Mark Zuckerberg não queria esperar pela aprovação de Bruxelas no que toca ao Regulamento dos Mercados Digitais nem às leis comunitárias de protecção de dados. Por ora, não há data prevista para o lançamento do Threads na UE. No entanto, e a partir dos Estados Unidos, o PÚBLICO testou a nova rede social e encontrou vários utilizadores portugueses na plataforma.

Disponível apenas, neste momento, na loja de aplicações da Apple, o Threads parte no entanto com a vantagem de poder contar com a base de utilizadores do Instagram (mais de dois mil milhões) para suplantar rapidamente o Twitter (330 milhões de utilizadores activos mensais). Ao final da tarde desta quinta-feira (hora de Portugal continental), o Threads contava já com dezenas de milhões de utilizadores.

A experiência de utilização do Threads é a de uma versão simplificada do Twitter, com a mesma mecânica elementar, mas com menos funcionalidades. Abrir uma conta no Threads é fácil, dada a integração com o Instagram (é necessário ter conta na plataforma visual da Meta). A aplicação do Threads, que se descarrega à parte, replica a informação de perfil do Instagram, incluindo a foto de apresentação. Em alternativa, podemos escolher outra foto e compor um perfil próprio para o Threads, mas é sempre necessário ter uma conta associada no Instagram, e o nome do utilizador é o mesmo nas duas plataformas.

Surge depois um feed único que mistura posts de contas que seguimos com outras contas por seguir. Ao contrário de Portugal, o Brasil já está em peso no Threads, com celebridades e jornais como a Folha de S. Paulo e o Estadão a utilizar activamente a plataforma desde o primeiro dia. Tal como inúmeras personalidades, marcas e órgãos de comunicação dos Estados Unidos e de outros países anglófonos.

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Durante o nosso teste, não nos deparámos com qualquer conta a promover esquemas fraudulentos de criptomoeda ou a difundir propaganda extremista, como as que neste momento dominam o Twitter de Elon Musk. Será impossível manter este registo, até porque as plataformas da Meta também têm problemas de moderação de conteúdo, mas o ambiente do Threads no seu primeiro dia era bastante mais higiénico do que o do concorrente directo.

Cada publicação, ou cada thread, permite escrever 500 caracteres por mensagem (cerca do dobro do que o Twitter permite a utilizadores que não pagam mensalidade) e incorporar fotos e vídeos de até cinco minutos. É possível responder e comentar uma publicação, partilhá-la na rede (um repost) ou copiar o respectivo link e partilhá-lo fora da plataforma.

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É possível ainda escolher quem pode responder a cada mensagem nossa, tal como no Twitter: qualquer pessoa, apenas os nossos seguidores ou só quem mencionarmos directamente. Não há mensagens privadas, para já, sendo expectável algum tipo de integração futura com as mensagens do Instagram.

A página de pesquisa apresenta apenas contas como resultados. Não há temas em destaque, como os trending topics do Twitter, nem parece haver hashtags a agregar conteúdo. Também não há anúncios - a Meta diz querer aguardar um ano até começar a introduzir publicidade no seu novo produto.

O declínio do Twitter

A compra do Twitter por Elon Musk, em 2022, acelerou a busca por alternativas a uma rede social relativamente pequena, quando comparada com gigantes como o Instagram ou o TikTok, mas que continua a deter uma influência mediática e política sem rival.

Ainda é no Twitter que políticos e outras personalidades interagem com o público de forma relativamente aberta como não acontece noutras plataformas. É ali que grandes acontecimentos noticiosos, como a guerra na Ucrânia, são relatados ao minuto por jornalistas e por testemunhas. É também ali que cientistas e especialistas divulgam os seus conhecimentos, como foi visível durante a pandemia, competindo, num plano cada vez mais inclinado e desfavorável, com uma miríade de contas apostadas na desinformação e na propaganda. É também no Twitter, certamente, que alguns dos mais preocupantes fenómenos de radicalização política, nomeadamente nos Estados Unidos, têm ganho tracção.

Mas apesar de ser um fenómeno político e cultural, o Twitter nunca foi um sucesso comercial. Perpetuamente em crise, a rede social foi adquirida por Musk em Outubro de 2022, a contragosto, num negócio de contornos rocambolescos avaliado em 44 mil milhões de dólares (40 mil milhões de euros).

Obrigado a rentabilizar rapidamente o investimento, o dono da Tesla e da SpaceX tomou uma série de medidas que se revelaram impopulares e que foram degradando a experiência de utilização da plataforma, como o fim do sistema de verificação de contas, que distinguia personalidades, políticos, jornalistas ou cientistas de potenciais impostores, e que foi substituído pela atribuição do cobiçado selo azul de verificação a qualquer utilizador, mediante o pagamento mensal de oito dólares. O resultado foi a amplificação de contas de desinformação e propaganda, incluindo de conteúdo abertamente racista, xenófobo, sexista ou homofóbico, que passaram a ter prioridade na plataforma sobre contas institucionais e fontes qualificadas. A mudança ditou a fuga de inúmeros e valiosos anunciantes. Foi também o princípio do fim do Twitter enquanto fonte de informação vital para jornalistas e académicos, acelerado igualmente pelo fecho do acesso gratuito à API da rede social.

Pelo caminho, um impulsivo e verborreico Musk fez tudo por antagonizar abertamente parte dos seus utilizadores, nomeadamente jornalistas, políticos e anunciantes, partilhando publicações incendiárias e restaurando contas que tinham sido encerradas por violação das regras durante a anterior gestão, incluindo a do ex-Presidente norte-americano Donald Trump (que não voltou a utilizá-la, mantendo-se na sua Truth Social). Ao mesmo tempo, as promessas de liberdade de expressão absoluta também foram caindo. Há dias, por exemplo, Musk anunciou que o prefixo latino cis é um “insulto”, e que a sua utilização reiterada vale a expulsão da plataforma. Contas de críticos do milionário foram silenciadas, links para plataformas rivais chegaram a ser bloqueados, e o algoritmo do Twitter foi sendo afinado para promover Musk e os seus aliados.

Musk procedeu ainda a uma redução radical do número de funcionários na empresa. Dos cerca de 8000 trabalhadores à data da aquisição, restam hoje no Twitter cerca de mil, incluindo algumas centenas de engenheiros. Áreas críticas como a moderação de conteúdo foram dizimadas. Multiplicam-se desde então as falhas de serviço, agravadas pelas decisões erráticas do dono da rede social. No fim-de-semana, o Twitter passou a impor um limite máximo diário de tweets visíveis por utilizador, gerando uma nova vaga de contestação.

Terá sido esta última controvérsia a levar a Meta a acelerar o calendário de lançamento do Threads para esta semana, aproveitando a insatisfação dos utilizadores do Twitter e a busca por alternativas.

Muitas alternativas, só um potencial rival

O Threads está longe de ser o primeiro substituto do Twitter. O descentralizado Mastodon, anterior à era Musk no Twitter, acolheu muitos dissidentes da rede social. No entanto, a sua complexidade (que começa logo na dificuldade de explicar o funcionamento a um leigo) impediu a massificação, e a plataforma é utilizada sobretudo por ex-tuiteiros com um grau de literacia digital acima da média. Mas a Meta afirma que poderá haver uma integração futura entre o Threads e plataformas descentralizadas como o Mastodon.

Outros produtos como o Post e o Bluesky, este último com mão do co-fundador do Twitter Jack Dorsey, também se têm apresentado como alternativa à rede de Musk, mas partiram do zero e têm tido um crescimento lento, dificultado por serem projectos anglocêntricos com entrada inicialmente limitada por convite.

O Threads, pelo contrário, é a primeira grande e real ameaça ao Twitter. Não só por replicar em grande medida o produto do rival (algo que a Meta sempre fez, como o Reels a clonar o TikTok e as stories a imitar o Snapchat), como por ter a base de utilizadores do Instagram à sua disposição logo à partida. Até aqui, deixar o Twitter significava deixar para trás centenas ou milhares de amigos, conhecidos e contactos profissionais. Com o Threads, dada a utilização massificada do Instagram, torna-se teoricamente mais fácil reconstruir a anterior rede de contactos na nova plataforma.

O Threads não poder ser visto, contudo, como uma alternativa “limpa” a um Twitter “sujo”. As plataformas da Meta, empresa com enormes responsabilidades no agravamento do clima político e social em inúmeros países, têm os mesmos problemas de discurso de ódio, desinformação e burlas vistos no Twitter, e continuam ciclicamente a levantar sérias dúvidas quanto à segurança e privacidade dos dados dos seus utilizadores. Tantas que, para já, e tal como está, o Threads não é lançado na União Europeia.

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