Rebelião de Prigozhin vista com apreensão na China

Especialistas nas relações sino-russas consideram que os acontecimentos do fim-de-semana reforçam o papel de Moscovo como parceiro mais fraco na aliança com Pequim.

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Xi Jinping e Vladimir Putin na assinatura de um protocolo em Março, no Kremlin Reuters/SPUTNIK
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A rebelião do grupo Wagner contra as autoridades militares da Rússia, no sábado, e principalmente o facto de os mercenários liderados por Yevgeny Prigozhin (Ievgueni Prigojin na versão portuguesa) terem ocupado, sem aparente oposição, um importante quartel-general das forças russas no Sul do país, deixa o Governo da China preocupado com o futuro das relações com Moscovo.

Segundo investigadores citados pelo site Moscow Times, os acontecimentos do fim-de-semana na Rússia não põem em perigo, para já, a “parceria sem limites” estabelecida pelos dois lados em vésperas da invasão da Ucrânia pelo Exército russo, em Fevereiro de 2022; mas, na óptica de Pequim, essa aliança requer um parceiro estável e a salvo de um eventual golpe de Estado.

“A China olha com grande preocupação para o que aconteceu na Rússia”, disse ao Moscow Times Rana Mitter, professor de História e Política da China Moderna na Universidade de Oxford. “Há novas dúvidas sobre o grau de união nas forças russas e a capacidade de Putin para controlar o seu regime.”

Neste domingo, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Andrei Rudenko, reuniu-se em Pequim com o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Qin Gang — um encontro que acontece um dia depois da rebelião liderada por Yevgeny Prigozhin, não sendo certo que tenha sido agendado por esse motivo.

Após a reunião, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia fez questão de sublinhar, num comunicado, que “a China expressou o seu apoio aos esforços da liderança da Federação Russa para estabilizar a situação no país e confirmou o seu interesse no fortalecimento da coesão e na prosperidade da Rússia”.

Do lado chinês saiu um curto comunicado, com apenas uma frase e sem qualquer referência aos acontecimentos de sábado: “A 25 de Junho, o conselheiro de Estado e ministro dos Negócios Estrangeiros, Qin Gang, reuniu-se com o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Rudenko, em Pequim, e trocou opiniões com ele sobre as relações sino-russas e questões internacionais e regionais de interesse comum.”

Apesar da ausência de referências à situação na Rússia no comunicado chinês — e do facto de o Governo de Pequim ainda não se ter pronunciado oficialmente sobre o caso —, é improvável que as relações entre os dois países sejam afectadas a curto prazo pelos acontecimentos do fim-de-semana.

E se o Presidente russo vier a ser afastado, o mais provável é que a liderança chinesa tente usar isso a seu favor, considera John C. Kulver, do Atlantic Council, numa análise publicada no site do instituto.

Se Putin cair, a China irá esperar que a poeira assente para se aproximar da nova estrutura de poder, na esperança de ter uma nova oportunidade para aconselhar a Rússia a sair da Ucrânia e a recentrar a sua atenção na competição a longo prazo com a aliança Estados Unidos-Ocidente, diz Kulver.

Medo do caos

Para Xi Jinping, o motim do grupo Wagner foi resultado de incompetência”, considera Arho Havren, um especialista em relações internacionais chinesas do instituto Royal United Services, no Reino Unido, citado pelo site russo. Não há dúvida de que a rebelião afectou o prestígio de Putin, e a principal consequência disso é a imagem de fraqueza com que o poder russo surge agora aos olhos de outros. O Partido Comunista Chinês tem inscrito no seu código genético um medo do caos e da instabilidade.”

Além de ter deixado a China preocupada, a acção armada de Prigozhin pode também afectar o peso da Rússia no equilíbrio da sua relação com Pequim.

Por causa das sanções internacionais aplicadas à Rússia na sequência da invasão da Ucrânia, o Kremlin viu-se forçado a vender petróleo e gás à China e a outros aliados a um preço muito abaixo do que acontecia nos negócios com os países europeus.

Isto reforça o estatuto da Rússia como parceiro mais fraco”, considera Livia Paggi, analista de risco político na empresa J.S. Held, citada pelo Moscow Times. A Rússia já se tornou dependente da China, por exemplo nas vendas de petróleo e de gás; e não há dúvida de que ficará ainda mais dependente a partir de agora.”

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