Grito de alerta – acolher estudantes afegãs em Portugal, um dever de solidariedade

Este é o momento certo para formular publicamente um convite a todos para que se associem a este novo programa de bolsas de estudo de emergência para 50 afegãs com a duração de três anos.

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Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, a secretária-geral da Nexus 3.0, professora Ana Santos Pinto, chamou a atenção, neste jornal, para a condição das raparigas afegãs, a quem os talibãs proíbem o acesso à educação superior, desde que tomaram o poder em Agosto de 2021, instaurando assim o único regime de apartheid de género existente no mundo. Paralelamente, lançou um apelo à acção para que, em prol da igualdade de direitos e de oportunidades, em nome da solidariedade que nos é devida quando são desprezados valores fundamentais em que assenta a nossa humanidade comum, pudéssemos dar corpo a estes princípios com um projecto colectivo portador de um horizonte de esperança para estas raparigas, vítimas de uma chocante e inaceitável ideologia de discriminação e exclusão de género.

Desde então, a Nexus 3.0, uma associação sem fins lucrativos focada na promoção da educação, ciências, arte e cultura em contextos de fragilidade, violência e conflito, que actualmente coordena um programa de bolsas de estudo de emergência destinado a refugiados da Ucrânia, financiado pela Fundação GALP, tem estado empenhada no lançamento de uma nova iniciativa destinada a possibilitar a reintegração de raparigas afegãs no ensino superior para continuarem os estudos no nosso país já no próximo ano lectivo.

A par das diligências em curso no sentido de dotar esta iniciativa do indispensável endosso político e de a alicerçar nas políticas públicas vigentes de acolhimento e integração de refugiados e migrantes, divulgámos um aviso de concurso de bolsas para estudantes afegãs. No curto prazo de dez dias, excedendo todas as nossas expectativas, recebemos 1424 candidaturas. Estas raparigas, na sua esmagadora maioria com vinte e poucos anos, frequentavam, até ao verão de 2021 diversos cursos, das ciências informáticas à arquitectura, passando pela medicina, pelas engenharias e pelas artes.

A leitura das suas cartas de motivação é uma lição forte e comovente sobre a extraordinária capacidade de resiliência destas jovens, alimentada pela certeza de que a educação é a melhor forma de resistência, a única capaz de assegurar um futuro diferente para si e para o seu país. É impressionante a sua firme vontade de prosseguir os estudos, a determinação em lutar pela sua autonomia e independência, a sua crença no poder transformador da educação e a esperança de, um dia, poderem ser agentes de mudança social. Nas asfixiantes condições a que estão submetidas, é notável que não se deixem quebrar, que não se resignem. Mas as suas cartas de motivação soam, sobretudo, como um grito de alerta.

A iniciativa da Nexus 3.0 visa assim contribuir para que haja uma resposta a este pedido de socorro, escudada, de resto, nas resoluções da Assembleia da República de 10 de Fevereiro e de 31 de Março de 2023 recomendando ao Governo português o desenvolvimento de esforços junto das instituições europeias e internacionais no sentido de promover o ingresso no ensino superior de refugiadas afegãs e designadamente em Portugal através de programas de bolsas de estudo.

Ora a experiência e o rico acervo já existente no nosso país com a integração no sistema de ensino superior de estudantes oriundos de situações de emergência humanitária, inicialmente impulsionada pelo Presidente Jorge Sampaio e aprofundada depois no âmbito da crise ucraniana, mostram-nos que o sucesso registado exige não só a mobilização das autoridades relevantes, da comunidade académica e da sociedade civil em geral, como requer a convergência e a coordenação de todos estes esforços.

Assim, entendemos que este é o momento certo para formular publicamente um convite a todos — entidades oficiais, instituições do ensino superior, estudantes, empresas, organizações filantrópicas, sociedade civil e particulares para que se associem a este novo programa de bolsas de estudo de emergência para afegãs com a duração de três anos e previsto para um grupo de 50 raparigas. São naturalmente precisos contributos financeiros para cobrir as despesas a incorrer. Mas qualquer outro tipo de apoio em espécies, em tempo, em competências será sempre de uma indispensável mais-valia!

De resto, valeria a pena pensar na criação de um fundo de emergência humanitária para a educação superior. Portugal conta actualmente com 433.217 inscritos em universidades e politécnicos (dados de 2021/2022). Se cada estudante contribuísse com um donativo de um euro, no mínimo, aquando da sua inscrição anual, a que se poderiam também associar outros membros do pessoal das instituições do ensino superior, associações de alumni, etc., facilmente se poderia contar com cerca de meio milhão de euros disponíveis a cada ano — esta seria não só uma formidável manifestação de solidariedade da comunidade académica, como permitiria criar um mecanismo financeiro de resposta rápida para o ensino superior em emergências.

Se cada país adoptasse uma iniciativa semelhante, certamente que a meta preconizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) de fazer com que 15% dos refugiados tenham acesso ao ensino superior até 2030 (15#30) contra 6% actualmente e em contraste com os cerca de 40% que se registam a nível mundial seria mais fácil de alcançar.

Apesar de o número programado de bolsas de estudo para afegãs corresponder apenas a ínfimos 3,5% em relação ao universo das candidaturas recebidas, denunciando a microdimensão desta iniciativa, que urge porventura ampliar, tratar-se-á sempre de uma semente lançada, preferível, em qualquer caso, à indiferença e à inacção.

Vivemos numa época em que as crises num determinado lugar afectam todos em qualquer parte do mundo. Ninguém, nenhuma região nem país está ao abrigo destas interdependências que marcam a nossa época. Não há “nós e os outros”, porque só há um mundo, um planeta Terra, e uma só humanidade. Nem a ignorância nem a inacção resolvem quaisquer problemas, antes os agravam, alastram ou multiplicam. Pode parecer um mero truísmo, mas que importa transformar num verdadeiro imperativo de acção colectiva, moldada pela cooperação e a solidariedade, nos planos local, nacional, regional e internacional.

Por isso, precisamos, mais do que nunca, de assinalar efemérides, como a do Dia Mundial do Refugiado, celebrado a 20 de Junho, com acções colectivas, positivas e concretas que permitam traçar um horizonte de esperança para todos, procurando não deixar ninguém para trás. Os 110 milhões de refugiados e pessoas deslocadas pela força, devido a perseguições, conflitos, violência e violações de direitos humanos o equivalente a mais de dez vezes a população de Portugal carecem de protecção e apoio para recomeçar as suas vidas.

Sabendo que cerca de 76% são acolhidos em países de rendimento baixo ou médio e 20% nos países menos desenvolvidos, como não reclamar um papel mais activo às sociedades mais prósperas? Como não exigir da União Europeia e dos seus membros uma liderança forte pelo exemplo, numa área tão crítica e decisiva como é a da defesa dos direitos humanos e do papel da educação na promoção do progresso económico, da igualdade de oportunidades e do empoderamento das mulheres? Como cruzar os braços quando é óbvio que podemos fazer mais e marcar a diferença? Contamos consigo para levar para a frente o programa de bolsas para estudantes afegãs! Responda “presente” a esta chamada. Já!

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