Ele pertencia a grupos neonazis — até que tomou MDMA. Agora, “o amor é o mais importante”

Brendan foi voluntário num estudo com MDMA. Sentiu uma “conexão” e começou uma jornada de desconstrução. “A mudança, no sentido geral, não é rara” depois destas experiências. Mas esta é “excepcional”.

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Ele pertencia a grupos neonazis — até que tomou MDMA. Agora, “o amor é o mais importante” REUTERS/JIM URQUHART
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Era Fevereiro de 2020 e Brendan decidiu participar numa investigação da Universidade de Chicago para ganhar um dinheiro extra. O ensaio consistia na toma de MDMA, uma substância psicoactiva, para perceber se a sua utilização aumentava o prazer do toque humano, usando voluntários saudáveis.

No fim da experiência, preencheu o questionário entregue a todos os participantes e deixou uma mensagem: “Esta experiência ajudou-me a perceber um problema pessoal e debilitante. Procurem o meu nome no Google. Sei o que tenho de fazer.”

A mensagem assustou Harriet de Wit, professora de psiquiatria e ciência comportamental responsável pela investigação, e o seu assistente Mike Bremmer. É que, depois de terem feito o que a mensagem sugeria — e terem pesquisado o nome —, perceberam que Brendan era, até há uns meses, líder de uma facção do grupo de nacionalistas Identity Evropa. Por causa disso, e de ter sido exposto pelos activistas da Chicago Antifascist Action, Brendan perdeu o emprego.

“Vai perguntar-lhe o que queria dizer com aquela última frase. Se se tratar de ele pegar numa arma ou assim, temos de intervir”, terá dito Harriet de Wit a Mike Bremmer, de acordo com um artigo publicado na BBC, por Rachel Nuwer, jornalista e autora do livro I Feel Love: MDMA and the Quest for Connection in a Fractured World, a partir do qual o artigo foi adaptado.

Mas quando Mike Bremmer questionou Brendan, que não quis revelar o nome completo, sobre a mensagem críptica, a resposta foi surpreendente: “O amor é a coisa mais importante. Nada interessa sem amor.”

“É o que toda a gente diz acerca desta maldita droga, que faz as pessoas sentirem amor. Pensar que uma droga pode mudar as crenças e pensamentos de alguém é alucinante”, disse Harriet de Wit. Mas podem os psicadélicos ser responsáveis por uma mudança tão transformadora?

O que aconteceu a Brendan é “raro e excepcional, não é aquilo que as pessoas podem esperar ao usar a substância”, salvaguarda Pedro Teixeira, professor catedrático na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa e investigador sobre o uso de psicadélicos associados à mudança comportamental.

Ainda assim, “a mudança, no sentido geral, não é rara”. Pelo contrário. “As mudanças de perspectiva que estas experiências dão são, muitas vezes, um primeiro passo para mudanças bastante importantes na vida das pessoas. Têm potencial para mudar a perspectiva sobre nós próprios, em hábitos de vida mais mundanos como a alimentação, a actividade física, o hábito de fumar; mas também estão a ter resultados interessantes em processos de doença mental ou de adição”, continua.

Em Portugal, a terapia com psicadélicos já é uma alternativa para pessoas com depressão resistente. Pelo menos dois hospitais públicos já usam a ketamina, que tem efeitos antidepressivos mais rápidos e imediatos que os antidepressivos comuns: quatro horas depois da administração, já começam a fazer efeito; contra as quatro semanas dos medicamentos comuns.

O contexto em que a “viagem” acontece é um dos factores determinantes: “Provavelmente o facto de esta pessoa ter tido uma experiência num contexto controlado, positivo, científico, também ajudou a que a experiência fosse bem-sucedida e as suas visões fossem enquadradas”, afiança Pedro Teixeira.

Pode a MDMA propagar o amor?

Mas quão enquadradas foram as suas visões, afinal? Rachel Nuwer quis encontrar-se com Brendan para saber. Recuemos, então. O homem de 31 anos cresceu numa família católica nos subúrbios de Chicago. Estudou na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, onde integrou uma fraternidade de homens conservadores e começou a estar intimamente ligado ao nacionalismo branco.

Livros anti-semitas, conteúdo racista e sexista consumido online, Donald Trump e o seu discurso xenófobo em relação aos mexicanos: estes foram os alicerces para construir um homem que, mais tarde, se viria a juntar ao Identity Evropa — um movimento neonazi e de supremacia branca que, em 2019, passou a chamar-se American Identity Movement —, para rapidamente se tornar no coordenador da zona de Illinois e depois da região Centro-Oeste dos Estados Unidos.

Tinha grandes planos para globalizar este movimento, até ter visto a sua identidade revelada por um grupo de activistas antifascistas, o que lhe custou o emprego e a relação com a família e amigos, mas não o fez abdicar das visões extremistas.

Foi neste contexto que participou na investigação conduzida por Harriet de Wit. Meia hora depois de ter tomado MDMA, começou a experiência que o transformou. “Espera, porque estou a fazer isto? Porque estou a pensar assim? Porque acreditei que não fazia mal prejudicar as relações com toda a gente que fazia parte da minha vida?”, diz ter pensado.

Na segunda fase da experiência, quando Mike Bremmer começou a tocar-lhe com uma escova no antebraço, que uma ideia abundou em Brendan: conexão. “Percebi que estava focado em coisas que não interessam, e é tão confuso, estava completamente a perder o importante. Não estava a absorver a alegria que a vida tem para oferecer”, refere, citado no texto da BBC.

Pode então a MDMA ser uma espécie de injecção de amor em alguém que se alimenta de ódio? A MDMA activa ocitocina, conhecida como hormona do amor, que faz os neurónios relaxarem e que dá origem a uma resposta de protecção, favorece a socialização, a expressão das emoções e pode também diminuir a agressividade.

E um estudo de caso sobre Brendan sugeriu que a MDMA tem potencial para “influenciar os valores e prioridades de uma pessoa”. E teorizou que, se as visões extremistas são alimentadas pelo ódio, podiam ser “tratadas” com drogas.

“Há pessoas que acreditam que os psicadélicos apenas amplificam o que já está presente, que depende dos contextos, que eles podem ser usados para fins benignos ou malignos”, começa Pedro Teixeira. “Eu inclino-me mais para uma ideia de que os psicadélicos genericamente promovem sentimentos positivos, de empatia, aceitação e também compreensão e amor”, continua o investigador. São estes “sentimentos que nos levam à ligação” — um sinónimo do que Brendan disse ter sentido 30 minutos depois de ter iniciado a experiência.

“Essas substâncias tendem a aproximar-nos uns aos outros, a confiarmos e a mostrarmos o nosso lado mais afável. E talvez venha daqui um benefício que está a ser estudado”, afiança.

Para Brendan, foi assim que começou assim uma jornada de desconstrução. Contactou a Chicago Antifascist Action, a mesma organização que desvendou a sua identidade, e pediu ajuda para mudar. Contratou um consultor de diversidade e igualdade, começou a fazer terapia, meditação e a ler livros educativos. É um processo em desenvolvimento: “Há momentos em que tenho pensamentos racistas ou anti-semitas. Mas agora consigo reconhecer que esses padrões de pensamentos são mais prejudiciais para mim do que para os outros.”

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