Vinhos de Portugal no Rio: ao fim de dez anos, os brasileiros são já grandes conhecedores do vinho português
Os consumidores brasileiros sabem cada vez mais sobre o vinho de Portugal. Mas quanto mais sabem, mais querem saber. O Vinhos de Portugal no Brasil continua a ser um evento de encontros e descobertas.
Foi com uma rabada com inhame, um prato de “cozinha preta” criado pela chef brasileira Andressa Cabral, que terminaram, em glória, os três dias da 10.ª edição do Vinhos de Portugal no Jockey Club do Rio de Janeiro, primeira etapa do evento organizado pelos jornais PÚBLICO, O Globo e Valor Económico, em parceria com a ViniPortugal e curadoria da Out of Paper. O Vinhos de Portugal segue agora para São Paulo, onde se realiza entre os dias 15 e 17.
A prova “Gastronomia brasileira e vinhos de Lisboa”, que encerrou o evento, foi trabalhada em conjunto pela sommelière argentina há muitos anos no Brasil, Cecília Aldaz, do restaurante Oro, no Rio, e por Andressa Cabral, que apresentou o seu prato não apenas como o que melhor poderia harmonizar com o Quinta das Cerejeiras Grande Reserva 2017, da Quinta do Sanguinhal, mas como uma história que é a do Brasil e de Portugal.
“Sou oriunda de pessoas que fizeram uma viagem transatlântica que todos sabemos que era uma viagem forçada”, disse a chef, “mas dei uma ressignificada no meio disso tudo e este prato é uma homenagem a pessoas que foram consideradas pedaços. Trago o puro suco do que foi rejeitado, de tudo o que foi visto como não tendo valor.”
O que ficou provado foi que, apesar das dores da História, a gastronomia brasileira e os vinhos de Lisboa casam muitíssimo bem, e se o pairing acima referido estava próximo da perfeição, esta foi realmente atingida com um outro, que juntou o Rosé Atlântico 2020 da Quinta da Boa Esperança com um camarão moquecado com farofa de banana, que maravilhou todos os que participaram na prova.
Esta edição foi, toda ela, uma celebração de dez anos de encontros entre os dois lados do Atlântico, numa relação que se vai consolidando através das muitas amizades que se vão fazendo e de um conhecimento cada vez maior do vinho português por parte dos consumidores brasileiros. Por isso, o tema escolhido foi o dos Grandes Encontros.
No Salão de Degustação, onde estiveram 81 produtores, havia quem avançasse de braços abertos para um enólogo ou produtor que já conhecia de anos anteriores e declarasse como estava feliz por o rever. Alguns vêm desde o primeiro ano, como os veteranos Luís Pato (que não se cansa de fazer fotos deitando a língua de fora, que se tornou a sua imagem de marca), Anselmo Mendes ou Domingos Alves de Sousa, agora acompanhado pelo filho, Tiago, num sinal de que as novas gerações estão cada vez mais presentes em vários destes projectos e que a continuidade está garantida.
Outros vieram pela primeira vez. Foi o caso de Pedro Silva Reis, da Real Companhia Velha. “Temos uma relação muito antiga com o Brasil, que vem do tempo do meu avô”, explica. “Mas entendemos que estar aqui alguém a representar a família e o produtor, fazia falta. E optei por vir este ano. Foi uma oportunidade para rever clientes, antigos e actuais, gente muito dinâmica que está a conseguir trabalhar o vinho português muito bem, procurando sempre o valor agregado e nunca os preços baixos. E está a ser interessante ver o tipo de vinho que os consumidores brasileiros procuram, quais são as tendências, como é que reagem à grande diversidade que temos em Portugal.”
Nas tendências, notou que “os brasileiros já procuram igualar o consumo de vinho tinto com o de branco, até porque faz sentido com o clima que têm aqui”. E também “uma aptidão para vinhos que sejam menos estruturados, menos marcados por madeira nova, o que vem ao encontro daquilo que nós, produtores, gostamos de fazer”.
Cristine Ban e Letícia Lisboa são duas amigas brasileiras e declaram-se “fãs do evento”. Encontramo-las no Salão de Degustação junto ao stand da Niepoort. “Aconselharam-nos a vir primeiro aqui”, contam. Dali a pouco, estão junto a outro produtor do Douro, a Alves de Sousa.
“Desde o ano passado que a gente vem na sala de provas, faz um lanchinho e depois vem para a degustação aqui. Estivemos hoje numa prova sobre o Alentejo”, diz Letícia. “Gostei muito de saber sobre a diversidade de processos, tem desde os vinhos conservados no barro até aos mais industriais, passando pela pisa da uva, que deve ser incrível. Gostei muito de saber que ainda tem esses processos mais antigos.”
Outro tema que as cativou, e que foi abordado em vários dos talk shows que decorrem na área exterior do evento, sempre com produtores e com figuras públicas brasileiras, de chefs a sommeliers, passando por personalidades da cultura, foi o do enoturismo. “Com o meu marido, a gente só viaja para regiões onde tem vinícolas”, conta Cristine, com uma gargalhada. “Lá em casa, se não tiver vinícola, não vamos.”
Muitos dos que se aproximam do stand do Casal Branco, produtor do Tejo, reconhecem a marca Falcoaria. Mas ainda é preciso fazer muito mais. “O Tejo precisa ainda de ser reconhecido, ainda não tem uma expressão muito grande no Brasil, mas quando as pessoas provam os nossos vinhos, ficam surpreendidas com o que encontram”, afirma José Lobo de Vasconcelos, da Quinta do Casal Branco, situada em Almeirim.
Daí que este ano tenha havido provas especiais dedicadas aos vinhos de Lisboa. Para além da harmonização com a chef Andressa Cabral, o master of wine brasileiro, Dirceu Vianna Junior, apresentou uma prova intitulada “Segredos do Tejo”. “É preciso dar esta divulgação e este evento é um meio natural extraordinário para isso”, sublinha José Lobo de Vasconcelos.
A 10.ª edição ficou marcada também por uma muito maior visibilidade dada à região dos Vinhos Verdes, que até agora estava representada por produtores individuais, mas não enquanto região. Dora Simões, presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, lembra que “o mercado brasileiro é dos mais importantes para os Vinhos Verdes, muitos dos produtores aqui presentes já trabalham o mercado há décadas, pelo que faz todo o sentido que a Comissão acompanhe este evento e veja o potencial de incrementar a imagem da região”.
Esta é, acredita Dora Simões, uma oportunidade para “posicionar marcas de Vinho Verde que tenham um valor mais elevado” e para mostrar que há muitas diferenças entre os vinhos que se produzem na região. Uma das provas que se propôs a desfazer mitos sobre o Vinho Verde foi dirigida pelo crítico do PÚBLICO, Manuel Carvalho, e tinha um título provocatório: “Vinhos Verdes: quando mais velhos, melhor”. A ideia foi mostrar o grande potencial de envelhecimento de vinhos que muitos ainda pensam que só se podem beber jovens.
“Está a mudar a ideia de que o Vinho Verde é um estilo único e as pessoas começam a perceber o que é o Vinho Verdes estagiado, de casta, seja o Alvarinho, o Loureiro ou outras, até castas tintas”, sublinha Dora Simões. E em cidades como o Rio e São Paulo, com uma oferta gastronómica de grande qualidade, este olhar muito mais completo sobre o potencial de um vinho tão gastronómico é fundamental para que o Vinho Verde conquiste o seu lugar, com as gamas mais elevadas a fazerem uma merecida entrada nas cartas de vinhos.
Vinhos de Portugal no Brasil tem ainda a participação do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e o apoio das Comissões Vitivinícolas do Alentejo, Lisboa, Dão, Tejo, Vinhos Verdes e Península de Setúbal, da Agência Regional de Promoção Turística Centro de Portugal e TAP Air Portugal.