“Não está a ser dada atenção à gravidade da greve dos funcionários judiciais”, diz ex-procuradora-geral

Ex-procuradora-geral da República mostra-se preocupada com as consequências de problema que “tem de ter solução política o mais rápido possível”.

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Joana Marques Vidal foi convidada para falar no podcast do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados Rui Gaudêncio
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A ex-procuradora-geral da República Joana Marques Vidal está preocupada com as consequências da greve dos funcionários judiciais no funcionamento dos tribunais.

“Não está a ser dada a devida atenção à gravidade do problema”, observou a magistrada, convidada para falar no podcast do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, o Pod Esclarecer. Interpelada sobre as várias paralisações de oficiais de justiça que começaram em Janeiro e ainda duram, embora agora num formato com menos impacto, Joana Marques Vidal fez votos para que tudo se resolva depressa, até porque as reivindicações desta classe são velhas de anos, tendo sido apresentadas a sucessivos governos. “Tem que haver uma solução política para a questão o mais rápido possível”, avisou.

E explicou que teve informação de que a crónica falta de funcionários com que se debatem os tribunais está a fazer com que um conjunto elevado de queixas apresentadas ao Ministério Público pelos cidadãos tenham ficado por registar. “É muito grave”, observou a ex-procuradora-geral da República, que considera que o poder político não se tem feito ouvir sobre o que está a fazer e quais as suas preocupações para o sector.

A magistrada, que deixou o cargo que ocupava em 2018, lamentou ainda que existam tribunais sem condições mínimas de funcionamento, com tectos a caírem e onde chega a chover, e aos quais os portadores de deficiência não conseguem sequer aceder. “Parece impossível como é que estas situações ainda existem. Não sei se o Plano de Recuperação e Resiliência prevê a sua resolução”, referiu, para em seguida abordar a questão da falta de equipamentos, nomeadamente de gravação dos julgamentos, apesar de esse registo ser obrigatório por lei. “É preciso investir mais na área da justiça, sem dúvida nenhuma”, defendeu, reconhecendo que o actual sistema de apoio judiciário e o elevado valor das custas dificultam o acesso de várias faixas da população aos tribunais.

Joana Marques Vidal entende que nem sempre a colocação de alguns processos em segredo de justiça durante tanto tempo se mostra justificada: “Seria útil haver uma ponderação dos casos que se colocam em segredo e a altura em que essa medida se levanta. O segredo devia ser levantado quando deixasse de ter razão de ser – ou seja, quando já não servisse para proteger a investigação criminal”.

Para a antiga dirigente máxima do Ministério Público, é fundamental que esta magistratura, em especial os profissionais que se dedicam à criminalidade económico-financeira, possam contar com uma formação contínua adequada ao longo da sua carreira. “Que o Centro de Estudos Judiciários não está organizado para lhes dar”, ressalvou. “Esta formação terá de ser da competência do próprio Ministério Público”.

Questionada sobre a morosidade da justiça portuguesa, Joana Marques Vidal respondeu que ela tem várias origens. E deu como exemplo os dez meses que demorou a tradução para francês da acusação do caso BES, necessária por existirem arguidos suíços no processo. “Não pode acontecer. O sistema tem de estar preparado” para lidar com estas situações.

Já no que diz respeito à turbulência que tem assolado o Tribunal Constitucional no último ano, a magistrada diz que os "momentos menos felizes" na vida do Palácio Ratton não impõem a adopção de um novo modelo de funcionamento, mostrando-se contrária a uma eventual transformação deste tribunal numa secção do Supremo Tribunal de Justiça, como advogam alguns protagonistas do sector.

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