Joana Marques Vidal estava disponível para ficar

Quem conhece Lucília Gago elogia a seriedade "à prova de bala", salienta o feitio "formal" e difícil e destaca o empenho: “Não acredito que se conforme com a falta de meios”.

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Nuno Ferreira Santos

Se tivesse sido convidada para fazer um segundo mandato como procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal tinha aceitado. Apesar de ter defendido no passado que este era um mandato único, não renovável, a magistrada mudou, entretanto, de opinião, e sentia que precisava desse tempo para terminar o trabalho que começou em 2012 e algumas das reformas que iniciou. Porém, como admitiu na sexta-feira, ninguém lhe pediu para continuar: "A hipótese de ser reconduzida nunca me foi colocada". 

Será substituída por Lucília Gago, que ela própria nomeou no passado recente para funções de prestígio e responsabilidade. A sucessora de Marques Vidal é vista por alguns dos que já trabalharam com ela como alguém rigoroso, com uma seriedade “à prova de bala”. Mas também há quem a descreva como alguém com um feitio especial – uma forma polida de dizer que nem sempre é fácil lidar com a nova procuradora-geral da República.

Entre muitos magistrados do Ministério Público, a sua escolha foi uma surpresa. Afinal, a procuradora nunca foi propriamente uma “cabeça de cartaz”, nem o nome foi alguma vez ventilado publicamente quando se tentou adivinhar quem poderia suceder a Joana Marques Vidal. Mesmo quando assumiu a direcção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP), onde sucedeu à mediática Maria José Morgado, Lucília Gago conseguiu manter-se longe dos holofotes. As únicas posições que se lhe conhecem relacionam-se com a sua área de especialidade, família e menores.

De resto, foi breve a passagem pelo DIAP. Quando a empossou, em Fevereiro de 2016, a procuradora-geral da República Joana Marques Vidal gabou-lhe as qualidades humanas e profissionais e a vasta experiência, nomeadamente na área criminal. E realçou a capacidade de liderança.

Porém, em Outubro de 2017 já ali não se encontrava: foi trabalhar para a Procuradoria-Geral da República, para voltar a coordenar os magistrados da área de família e menores, mas desta vez a nível nacional. Por que saiu, nunca se soube. Talvez já estivesse assim planeado, equacionaram na altura alguns colegas. Outros acham que não se deu bem com a função de directora do DIAP. “Quem sucedesse a Maria José Morgado teria sempre dificuldade em afirmar-se”, observa uma colega, que assinala a competência, mas também a mudança de atitude em comparação com a antecessora: “A porta do gabinete de Maria José Morgado estava sempre aberta. Não era preciso passar pelo secretariado para falar com ela. A dela já não: é uma pessoa um bocadinho formal”.

Tal como a antecessora no DIAP, Lucília Gago também passou pelo MRPP. Tem dois filhos adultos e é casada com um magistrado que já se reformou e que foi director-adjunto da Polícia Judiciária nos anos 90. “Tem uma personalidade forte e é exigente”, resume a mesma colega.

Outro magistrado que trabalhou com ela vai mais longe: “Não tem muitos anticorpos entre a classe senão aqueles gerados pelo feitio. Não perdoa a quem comete falhas. Agora é de uma seriedade à prova de bala”.

Não sendo os processos judiciais da sua área habitualmente mediáticos, não se lhe conhecem grandes casos. A excepção é o processo das viagens-fantasma dos deputados, um esquema através do qual vários parlamentares viajaram com as famílias à conta da Assembleia da República na década de 80. Noutros casos nem sequer saíram de São Bento, mas receberam o dinheiro correspondente. Era habitual apresentarem contas individuais de quilometragem em carro próprio quando, muitas vezes, se agrupavam aos três e quatro num único automóvel.

A complexidade da investigação e a demora no apuramento dos factos – havia meia centena de suspeitos – fez prescrever a maioria dos casos. O Ministério Público não chegou a investigar o desdobramento de bilhetes de avião de classe turística em classe executiva, para que filhos e cônjuges dos deputados os pudessem acompanhar em viagem: entendeu que nesses casos não havia prejuízo para o erário público, até porque o então presidente da Assembleia da República, Vítor Crespo, o autorizava.

Mais recentemente, Lucília Gago ganhou algum protagonismo quando defendeu uma subordinada sua que tinha o processo da morte dos jovens do curso dos comandos em mãos das acusações do advogado de um dos arguidos.

“Fez um excelente trabalho na revisão da lei da adopção”, considera outro colega da magistrada. O grupo de trabalho que integrou “podia ter ido mais longe na possibilidade de ser adoptado até aos 18 anos, em vez de ter ficado nos 15, mas provavelmente não lho permitiram”.

Para a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, a nova procuradora-geral da República, que tem 62 anos, não é de todo uma desconhecida: pelas funções que cada uma foi desempenhando no Ministério Público já trabalharam de perto por mais de uma vez. E se Joana Marques Vidal por várias vezes reclamou junto da tutela mais pessoal e meios, quer para o Ministério Público quer também para a Polícia Judiciária, outra colega da sua sucessora acredita que a nova titular do cargo também fará o mesmo: “Não acredito que se conforme com a falta de meios”.

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