Trauma de “bullying” no pré-escolar é difícil de esquecer

Actualmente com 10 anos, vai transitar para o 5.º ano de escolaridade, mas os pais lembram que o medo espreita, porque o menino poderá voltar a ter de ir para a escola do agrupamento onde foi vítima.

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Tomás nunca perdeu a "empatia" pelo outro, pois está atento a outras crianças que possam sofrer de bullying Juan Pablo Serrano Arenas/pexels

Tinha 4 anos quando sofreu o primeiro pontapé de um colega de turma, foi agredido e discriminado, mudou de escola após a pandemia e hoje, aos 10 anos, faz terapia, mas o trauma não foi esquecido.

"O meu filho começou a ser vítima com 4 anos de idade e sofreu o pico da violência aos 8 anos. Pensávamos que íamos conseguir resolver o problema com a ajuda dos professores e com os pais dos colegas de escola, mas era uma ilusão", lamentam Manuel e Raquel, pais do pequeno Tomás (todos os nomes são fictícios para protecção da família), vítima de vários crimes na escola.

A escalada de violência levou os pais a avançar com uma denúncia à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e com um processo na Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEST), mas chegaram a ser ameaçados por uma mãe que fazia parte da associação de pais para pararem com o processo.

O primeiro episódio aconteceu quando Tomás recebeu um pontapé nas costas de um colega de turma e defendeu-se. Sem perceber o contexto na íntegra, a educadora exigiu que Tomás pedisse desculpa a João (nome fictício). Foi-lhe também solicitado que fizesse um desenho a pedir perdão ao colega.

Segundo os pais de Tomás, ao não ter de pedir desculpa, João sentiu-se legitimado para dar continuidade às agressões físicas, que depois escalaram para uma cada vez maior ostracização de Tomás por toda a turma.

O menino deixou de brincar com os colegas, que tinham deixado de conviver com ele a mando de João, um menino "franzino" e "choramingas" que jamais alguém ousaria pensar que era o autor do bullying, conta Manuel.

A violência física e psicológica aumentou após a pandemia de covid-19, inclusivamente com as meninas da turma, já no 1.º ciclo, a contribuírem para criar uma narrativa de que era o Tomás o culpado de tudo.

Segundo os pais, a própria professora e a directora da escola primária chegaram chamar o Tomás de "fiscal", apenas porque o viram a escrever nos intervalos num bloco de notas os seus pensamentos.

A professora chegou ainda a acusar Tomás de ter falseado as respostas num teste em que tinha tido a nota de "Muito Bom", mas depois teve de se retratar, porque o menino conseguiu provar a sua inocência, recorda o progenitor.

"O Tomás começou a ser um menino mais fechado, mais reactivo com o irmão, tinha terrores nocturnos, bruxismo [ranger de dentes], chorava todos os dias, deixou de se pentear. Desleixou-se com as aulas de piano de que tanto gostava. A sua auto-estima estava em baixo e colocava o capuz na cabeça para passar despercebido na rua e na escola. Deixou de ter brio com a sua aparência", recorda a mãe.

Segundo Raquel, o seu filho, na altura com 8 anos, chegou a ter conversas sobre ideias suicidas, sobre deixar de viver, depois de um colega lhe dizer que iria ficar "feliz se ele morresse".

Tomás recebeu apoio psicológico na APAV durante oito meses e a terapia e a mudança de escola amenizaram as dificuldades, mas os seus pais reconhecem que a tormenta do bullying está em stand by.

A família mora a 50 metros da escola onde o menino foi vítima de bullying, num agrupamento no distrito do Porto, e às vezes Tomás lê palavrões que são pintados no portão da sua casa.

Actualmente com 10 anos, vai transitar para o 5.º ano de escolaridade, mas os pais lembram que o medo espreita, porque poderá voltar a ter de ir para a escola do agrupamento onde foi vítima.

Apesar do sofrimento por que passou, Tomás nunca perdeu a "empatia" pelo outro, pois está atento a outras crianças que possam sofrer de bullying, explica a mãe, recordando que, há pouco tempo, o rapaz defendeu uma menina que estava a chorar porque os colegas começaram a dizer que a mãe dela era careca, uma consequência dos tratamentos para combater um cancro.

Na nova escola, os alunos foram instruídos para "não fazer queixinhas" e aprenderam a frase "aquilo que se passa na escola não é para contar em casa", diz Raquel, que se diz preocupada e surpreendida com este tipo de formação escolar.

Os pais de Tomás ainda hoje sofrem pelo filho e temem os futuros anos na próxima escola, caso tenha de ir para o agrupamento escolar, mas dizem que o filho está mais forte e sabe distinguir entre verdadeiros amigos e simples colegas.

O Tomás diz que os seus amigos estão no judo, no piano, no ioga, porque na escola tem apenas colegas.

Segundo a APAV, o bullying presencial, com discriminação e injúria, e o cyberbullying através das redes sociais, são fenómenos que estão a evoluir no contexto escolar com agressores a criarem perfis falsos em plataformas como o Discord, Instagram ou Twitter para divulgar informação falsa.

"Isto tem um impacto gigantesco, porque estamos a falar de informação que é divulgada massivamente", explica a assessora técnica da direcção da APAV, Carla Ferreira.

A associação já teve situações em que foi necessária a mudança de estabelecimento de ensino, porque o agrupamento escolar tinha três mil pessoas e todas, em algum momento, tinham sabido da história divulgada nas redes sociais.

"Isto é absolutamente devastador. Não há ninguém que se sinta confortável a entrar num agrupamento de escolas ou numa escola depois de isto acontecer. E, portanto, esta dimensão cyber também acaba por catapultar o bullying para uma outra dimensão que deve merecer a nossa atenção", contextualiza a técnica.

"Há meia dúzia de anos pensávamos nas crianças que têm uma rede social aos 14 ou 15 anos. Agora temos crianças de cinco e de seis que jogam jogos online, com plataformas em que simultaneamente falam por chat com outras pessoas, e onde a dimensão cyber da criminalidade pode acontecer a qualquer momento", continua. "Às vezes, as crianças mal sabem juntar as palavras e já estão a escrever no chat, porque é tudo muito facilitado", alerta.