Nem todos poderão puxar dos galões como a Quinta da Aveleda no que toca à biodiversidade. A propriedade situada em Penafiel é conhecida pelos seus frondosos jardins, que chegam até aos nossos dias com 200 espécies diferentes de árvores e plantas. Argumento mais que suficiente para levar o grupo Aveleda a assinalar o dia consagrado, pelas Nações Unidas, à biodiversidade, mas não é o único. Aquele que é o maior produtor de vinho Verde está a plantar “cerca de 2000 árvores por ano” à volta das novas vinhas e continua focado no projecto da aldeia de Cabração, em Ponte de Lima. Um investimento que aposta, também, na arborização do terreno adjacente à vinha com espécies autóctones e que são mais resistentes ao fogo.
“Todos os anos, os 40 habitantes da aldeia viviam o terror dos incêndios”, começa por destacar Martim Guedes, um dos gestores da empresa familiar fundada em 1870 — já vai neste momento na quinta geração. “Criámos um colar à volta da aldeia que a protege dos incêndios e, ao mesmo tempo, vamos criando toda uma biodiversidade, diversificando a flora de uma zona que antes era muito monocultura de eucalipto”, acrescenta, em conversa com o Terroir, no âmbito da celebração do Dia Internacional da Biodiversidade (22 de Maio). A esta altura, já foram plantados “cerca de 100 hectares”, mas os planos para a aldeia de Cabração passam por chegar “aos 200 hectares” de vinha, meta que, de acordo com os planos iniciais, deveria ter já sido alcançada. “Tivemos ali um susto”, confessa Martim Guedes, lembrando que a zona foi identificada como uma das que teria potencial para a exploração de lítio. “Deixou-nos o projecto suspenso por uns tempos, mas, felizmente, não foi escolhida”, declara.
Todo este trabalho de plantação de árvores e plantas à volta das vinhas é feito com base em estudos e a partir do trabalho de parceria “com as universidades e, em particular, com a UTAD [Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro]”. A cada nova plantação, a empresa procura variar o máximo possível ao nível de espécies, mas sem fugir dessa regra: “São plantas tradicionais portuguesas autóctones, como o carvalho alvarinho, que não são estranhas à região e ao clima e são simbióticos com a vinha”, assegura o produtor.
Numa casa que diz ter a biodiversidade no seu ADN — “Na nossa família sempre houve alguém interessado em jardinagem, em natureza”, assegura Martim Guedes, destacando o cuidado que as várias gerações foram tendo com os jardins da Quinta da Aveleda —, o objectivo passa por estar sempre um passo à frente. Disso é exemplo o projecto que impede o aparecimento de infestantes nas vinhas. “Deixamos de ter o combate que era feito de forma tradicional — havia que as cortar e muitas vezes até que usar alguns produtos químicos para deixar de as ter e proteger a vinha”, realça o produtor. “Fazemos o enrelvamento antes, de forma intencional, para que essas espécies, de relva ou trevo, se tornem dominantes e não deixem nascer as espécies indesejáveis. E, ao mesmo tempo, têm um comportamento positivo com a vinha”, especifica.
Não menos importantes, em especial nos últimos anos, são os projectos de aproveitamento de águas pluviais. A empresa tem vindo a apostar na construção de charcas nas suas quintas para conseguir fazer o tratamento das vinhas com o aproveitamento da água da chuva. “Agora, isto torna-se mais exigente em períodos em que a seca é maior”, adverte o produtor, reparando que o trabalho também tem passado por reduzir, ao máximo, o consumo de água.
A procura por vinhos melhores
A pergunta torna-se óbvia: será que esta aposta na biodiversidade se reflecte, depois, na qualidade dos vinhos? “Sem dúvida. Há aqui um lado do que estamos a fazer pelo planeta, mas ao mesmo tempo temos que exigir que os vinhos sejam melhores”, afiança Martim Guedes. O que parece falhar é a percepção dos consumidores de que estão a consumir um produto mais amigo do ambiente. E, contrariamente ao que se podia pensar, as certificações não estão a ajudar. “A associação de comerciantes de vinho a nível europeu fez um levantamento e, só na área da sustentabilidade, já temos cerca de 300 certificações diferentes na Europa”, repara, notando que o cenário “é caótico”. “Isto vai ter que evoluir e vamos ter que ter algumas certificações mais credíveis”, sustenta, anunciando que a Aveleda está já a trabalhar para obter a certificação B-Corp. “As maiores e mais empresas de vinho a nível mundial já têm este certificado; em Portugal, que nós saibamos, só o grupo Symington é que tem. Queríamos, sobretudo, uma certificação que seja exigente”, argumenta.
Os planos da Aveleda são bem claros: a empresa quer passar de “um player regional para um player nacional”. “Alguém que é conhecido como o líder na região dos vinhos Verdes, mas que consegue ter vinhos um pouco por todo o país”, anuncia Martim Guedes. Com a entrada nas regiões do Douro (Vale D. Maria), Bairrada (Quinta D’Aguieira), Lisboa (Mandriola) e Algarve (Villa Alvor), a empresa acredita ter já um conjunto de vinhos “representativo de Portugal”.
Particularmente no que diz respeito à última aposta do grupo que regista uma produção anual de 23 milhões de garrafas — exportando “dois terços da produção” —, o balanço dificilmente podia ser mais positivo. “A evolução natural de uma empresa que é líder nos vinhos Verdes e se está a expandir para outras regiões. Já estávamos no Douro, o passo seguinte seria o Alentejo, mas percebemos que o Alentejo é muito competitivo e seria difícil termos uma proposta com valores diferentes dos que lá estavam”, enquadra, a propósito da opção pelo Algarve. “Percebemos que havia ali uma região muito interessante”, nota, destacando o terroir do Algarve. “Temos solos parecidos com a Provença, no Sul de França, e o clima é muito interessante para a produção de vinhos”, acrescenta Martim Guedes.