Catarina Martins considera que só com “mudanças grandes” legislatura chegará ao fim

Líder cessante do Bloco considera que não é por inaugurar mais betão que o Governo se aguenta, mas sim pela “credibilidade” que consiga recuperar.

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Catarina Martins deixa este fim-de-semana a liderança do Bloco LUSA/MIGUEL A. LOPES

A coordenadora do BE defende que só com "mudanças grandes" é que a legislatura chegará ao fim e que, se o primeiro-ministro não as fizer, "o Presidente da República sentirá que terá apoio popular para convocar eleições antecipadas".

Em entrevista à agência Lusa em vésperas da Convenção Nacional do BE em que vai deixar a liderança bloquista ao fim de uma década, Catarina Martins refere que, apesar da crise política, não parece ser "um cenário plausível" haver eleições antecipadas pouco mais de um ano depois das últimas legislativas.

"Também é verdade que a paralisia do Governo é absolutamente insustentável, e é por isso que eu digo que acho que António Costa vai ter que fazer mudanças grandes. Veremos se as faz. Se as fizer, julgo que a legislatura chegará até ao fim", defende.

Antecipando que estas alterações profundas, a serem feitas pelo chefe do executivo, não serão "por um caminho de esquerda necessariamente", mas sim pela "credibilidade do Governo", a ainda líder do BE deixa um aviso.

"Se não as fizer, enfim, a partir de determinada altura, se a degradação continua, o Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa] sentirá que terá apoio popular para convocar eleições antecipadas", alerta.

Para Catarina Martins, neste momento não há condições para Marcelo Rebelo de Sousa dissolver a Assembleia da República, desde logo porque "não há uma vontade popular de eleições" já que as pessoas querem é soluções para os actuais problemas com os quais estão confrontadas.

"Dito isto, o Governo tem também uma enorme dificuldade: não pode agir com o grau de descredibilização que tem", sublinha, dando como o exemplo o dossiê da TAP, da luta dos professores ou os problemas no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A bloquista deixa claro que "não basta remodelar o Governo", apesar de enfatizar que "João Galamba é um ministro tóxico", incapaz de "explicar sequer o que é que se passa no seu gabinete" e que implicou todo o executivo "numa situação absolutamente deplorável".

"O Governo tem um problema duplo: tem um problema de manter ministros que são tóxicos e de manter ministros sem condições para serem ministros, porque não têm os instrumentos políticos para agirem nas suas áreas", sintetiza.

Não basta, na análise de Catarina Martins, "mudar os nomes" dos responsáveis pelas pastas, mas sim "uma direcção política que se compreenda".

"Há um momento em que este jogo do Governo ter um discurso à esquerda e uma actuação política à direita, podendo dar jeito em campanha eleitoral, na governação quotidiana torna impossível a acção de qualquer ministro. Ninguém percebe o que é que estão a falar. Ninguém percebe o que é que querem fazer", critica.

Sobre o discurso muito crítico do executivo feito no último fim-de-semana pelo antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, a bloquista considera que "até se podem justificar palavras muito duras sobre este Governo".

"Mas diria também que, quando eu ouço Cavaco Silva, não consigo esquecer-me de que foi do seu Conselho de Ministros que saiu a administração do BPN, um dos maiores casos de gangsterismo financeiro do nosso país e, portanto, é-me difícil ouvir Cavaco Silva como sendo capaz de dar lições de grande responsabilidade à governação", condena.

O país, segundo Catarina Martins, "passou uma borracha sobre o que foram os governos de Cavaco Silva e a sua actuação". "Eu pessoalmente não passo", atira.

Para além do "problema da coerência política" do antigo chefe de Estado, há um outro problema para que é a direita ficar "muito contente com um discurso poderoso de Cavaco Silva, acho que percebendo que os seus protagonistas de hoje são muito frágeis".

Inaugurar betão "não é um projecto democrático em si"

Quando questionada sobre a actuação do primeiro-ministro, Catarina Martins aponta que "António Costa alcançou os objectivos políticos a que se propôs sempre e isso é admirável", restando saber o que "faz com eles".

"Agora tem uma maioria absoluta que está absolutamente enredada nos seus próprios erros. Eu sei que há quem, no Partido Socialista, fique muito irritado quando a oposição fala dos erros permanentes, mas na verdade, a única solução era o PS não errar tanto", sustenta.

Na análise da ainda líder do BE, "António Costa está focado apenas numa coisa, que é o PRR", ou seja, "os fundos europeus serem executados e ter obra feita para mostrar".

"Sabe que a obra feita demora a chegar, não se concentra no resto, todos os outros dossiês são atrasados. Aliás, quer poder ter números de défice e de dívida que sejam sempre uma surpresa para agradar à Europa, que é uma coisa bastante desastrosa para Portugal", critica.

Com outros problemas "a acumularem-se" no país, Catarina Martins acrescenta que "desde que esses números estejam bem", porque dá "uma credibilidade internacional" a António Costa, tudo o que o primeiro-ministro "quer é executar o PRR achando que a obra feita é que vai ser a forma como o Governo vai ser medido".

A deputada bloquista critica a "ideia de que fazer obra por si só, que o betão por si só será a medida de um sucesso do Governo", considerando que este é o projecto de António Costa.

"É por isso que quer evitar que a direita chegue ao Governo e possa ser a direita a inaugurar as obras, António Costa quer ser ele a inaugurar a obra, mas para que projecto de país? Vamos inaugurar obras para fazer o quê no dia seguinte?", questiona.

Ao contrário do Governo do PS que "acha que inaugurar a obra faz tudo", Catarina Martins avisa que "inaugurar uma obra não é um projeto democrático em si".

"Entretanto, as condições de vida das pessoas estão a degradar-se e as pessoas não podem esperar pela obra feita. Por outro lado, esta obra, feita numa economia mais degradada, é o quê? O PRR paga betão, paga até equipamentos, mas não paga salários", condena, considerando que se podem estar "a construir elefantes brancos ou investir nos negócios privados, mas não vai ser em nome do país".

Reiterando as críticas à actuação da maioria absoluta do PS - "uma espécie de carta que diz aos ministros que podem fazer o que apeteça e não têm de responder ao país" -, a bloquista condena ainda que os socialistas estejam a "voltar ao passado" em termos de política sobre o Estado social.

"É fazer de tudo política social, de apoio a quem fica abaixo um determinado rendimento, mantendo a carga fiscal elevadíssima nas chamadas classes médias e fazendo, por isso, uma descolagem do país em que as pessoas sentem que pagam para o que não têm - pagam o transporte que não têm, pagam a escola, que não têm professor, pagam o médico de família que não têm - e isso cria uma enorme fricção e mata a coesão social de que a democracia precisa", elenca.

Um dos maiores perigos neste momento, na análise de Catarina Martins, é um PS que "acredita muito pouco na universalidade do Estado social".