Ratos levados a estado próximo da hibernação. Só com ultrassons

Capacete que emite ultrassons para o cérebro colocou roedores em hipotermia e com o metabolismo nos mínimos. Estado próximo da hibernação pode ser útil na medicina e na exploração espacial.

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No filme Passageiros, Aurora (Jennifer Lawrence) foi acordada da hibernação por Jim (Chris Pratt) e quer voltar a hibernar DR
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Câmaras de hibernação de Passageiros: neste filme, Jim (Chris Pratt) desperta Aurora (Jennifer Lawrence) do estado de hibernação DR
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É um passo que pode mudar as viagens espaciais de longa duração e o futuro dos tratamentos de pessoas em risco de vida por causa de doenças como ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais. Uma equipa de cientistas conseguiu induzir um estado semelhante ao da hibernação em roedores através de um capacete que emitia ultrassons para a cabeça dos animais, sem recurso a intervenções cirúrgicas, relata um estudo publicado na revista Nature.

Os investigadores desenvolveram um aparelho que emitia ultrassons para uma região do hipotálamo, cujos neurónios estão associados ao estado de torpor — um estado fisiológico em que alguns mamíferos suprimem o metabolismo, reduzem a temperatura corporal e colocam as funções vitais nos mínimos para conservar energia em ambientes duros e ameaçadores para a vida. Nesta experiência usaram-se dois tipos de roedores: ratinhos, que têm capacidade de entrar naturalmente nesse torpor; e ratos, que não têm esse mecanismo de forma natural.

Para descobrir se era possível induzir um estado de torpor — tanto em animais que já têm naturalmente esse mecanismo, como em animais em que isso não acontece —, os cientistas fizeram experiências em roedores de ambos os tipos. Colocaram-nos em caixas, activaram os capacetes com ultrassons remotamente e fizeram medições à temperatura, taxas de consumo de oxigénio, níveis de respiração e ritmo cardíaco.

Apuraram assim que os animais entraram em hipotermia e em hipometabolismo quando recebiam os estímulos de ultrasons, segundo os dados apresentados pela equipa liderada por Hong Chen​, da Universidade de Washington (EUA).

Primeiro, fizeram a experiência em ratinhos para ver se conseguiam induzir o torpor em animais que já têm essa capacidade. Verificaram que, nos ratinhos, o consumo de oxigénio baixou em cerca de 37%, a produção de calor foi suprimida e a temperatura corporal diminuiu em 3,3 graus Celsius para valores abaixo dos 34 graus — embora a da cauda tenha aumentado por causa da perda de energia através dela, provocando a hipotermia. O ritmo cardíaco também decresceu para quase metade (47%) e, em vez de produzir energia através da utilização das reservas de gordura e hidratos de carbono, os roedores começaram a obtê-la através da oxidação desses depósitos.

Todas estas características são típicas de um torpor natural e repetiram-se, embora com intensidades variáveis, mesmo quando os roedores eram colocados em ambientes muito mais frios ou muito mais quente do que na experiência original. Os investigadores relataram também que, não só a intensidade do estado de torpor pode ser adaptada com recurso à temperatura, através do controlo da pressão acústica e da duração do estímulo com ultrassons.

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Através de ultrassons conseguiu-se pôr roedores num estado de torpor próximo da hibernação Laboratório Chen/Universidade de Washington em St. Louis

Esse torpor, induzido com seis estímulos num período de poucos segundos, manteve-se durante cerca de 52 minutos antes de os animais regressarem natural ao estado normal. Mas, quando os cientistas repetiam os estímulos e mantinham as condições do ambiente sempre que os roedores davam sinais de voltar ao estado natural, conseguiram manter o torpor por até 24 horas. No fim da experiência, nenhuma das cobaias apresentava danos ou inflamações visíveis no cérebro.

Hibernação para transplantes e viagens espaciais

Mesmo nos ratos, que não têm a capacidade natural de entrar em torpor ou de hibernar, a temperatura também diminuiu com a estimulação não-invasiva com ultrassons — mas menos do que nos ratinhos, em entre um grau Celsius e dois graus. Segundo os autores, isto significa que os mecanismos de regulação metabólica que permite a entrada em estados de hibernação também podem existir em mamíferos que não hibernam naturalmente.

Experiências anteriores já tinham conseguido induzir um estado semelhante ao de torpor em roedores, mas apenas com recurso a engenharia genética ou com intervenções cirúrgicas. Desta vez esse estado foi induzido com métodos com precisão, não-invasivo e seguro: os ultrassons conseguem estimular uma proteína (a TRPM2, canais de iões de cálcio) na superfície dos neurónios que controlam a comunicação para dentro e para fora das células. Essas proteínas regulam os estados de torpor: quando não estão activadas, os ultrassons não funcionavam. Mas os próprios investigadores admitem que são necessários novos estudos para compreender esse mecanismo.

Martin Jastroch, investigador da Universidade de Estocolmo (Suécia), e Frank van Breukelen, da Universidade do Nevada (EUA), reagiram ao estudo através de um comentário publicado na Nature. Os dois peritos sublinham que “colocar o metabolismo humano ‘em gelo’ pode ter múltiplos benefícios”: “Preservaria órgãos para transplantação ou cirurgia, em doentes nos cuidados intensivos, reduziria os danos celulares durante a paragem cardíaca e possivelmente permitiria a hibernação humana para expedições espaciais a longas distâncias, em que se prevê serem necessários tempos de viagem de sete a oito meses para chegar ao planeta vizinho mais próximo de nós, Marte.

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