O Douro tem de produzir vinhos icónicos e dar riqueza aos seus agricultores
Guardião das vinhas e da diversidade genética, Álvaro Martinho sonha também com rendimento e uma vida melhor para os pequenos produtores. A ambição já lhe valeu o Prémio Nacional de Agricultura.
Chega a ser comovente o entusiasmo com que fala da vinha, do território e suas características biogeográficas. Viticólogo da Quinta das Carvalhas há 26 anos, Álvaro Martinho Lopes fala do Douro como um território encantado, “uma região única no mundo, que pode produzir vinhos icónicos”, mas que retribui ainda com uma tradição de pobreza e dificuldades para os seus. Aqueles que são, afinal, os que dela cuidam.
É, por isso, urgente mudar. O modelo é aquele que ajudou a valorizar a icónica Quinta das Carvalhas, no coração da região, no Pinhão, cujos patamares de vinhas tradicionais foram cuidadosamente recuperados e são tratados como jardins, a par de outros que são já explorados de uma forma moderna e com apoio de máquinas. O cuidado estende-se também à recuperação de castas antigas, algumas já quase abandonadas, que dão agora vinhos únicos e diferenciados.
Com tudo isto, a propriedade da Real Companhia Velha é hoje uma espécie de museu vivo da viticultura da região, atraindo milhares de turistas que no final compram os seus vinhos a preços bem acima da média.
Do mesmo modo, Álvaro entende esse é o caminho a seguir pelos pequenos produtores. “As empresas pequenas também podem criar valor. Ser pequeno não é ser menor, não é preciso ser grande para ser rentável e atractiva”, expõe o engenheiro agrónomo, que tem ainda bem vivas na memória as dificuldades da família para lhe proporcionar a formação.
“O que é preciso é renovar o conceito de empresa familiar. O Douro tem que dar rendimento e uma melhor vida aos seus agricultores”, expõe, mostrando que foi esta a ideia base do conceito que apresentou e lhe valeu um dos galardões do Prémio Nacional de Agricultura, que lhe foi agora na categoria de Empresário em Nome Individual.
A par da actividade como Director de Viticultura da Quinta das Carvalhas – “onde aprendi muito do que hoje sei” -, tem também 8,5 hectares de vinha, metade dos quais de vinha velha, alguma com mais de 90 anos. “Não posso vender uvas, estou proibido”, ironiza para destacar a regra que se auto-impôs para não cometer o erro que faz a generalidade dos pequenos produtores, vendendo as uvas sem lucro ou muitas vezes até abaixo dos preços de custo.
Foi isso mesmo que expôs ao júri do concurso - que é lançado pelo BPI, grupo Cofina, PwC e Ministério da Agricultura – apresentando dados que apontam para aquilo que classificou como um duplo paradoxo. Por um lado, as uvas são vendidas a um preço médio de 0,6€/kg (1, 05€ quando se juntam os 1,5€ pagos pelas uvas para vinho do Porto), quando o custo de produção é de precisamente de 1,05€/kg, isto num universo em que 91% dos produtores são donos de apenas 40% da área de vinha do Douro, todos com propriedades inferiores a cinco hectares.
Por outro lado, até ao final do séc. XX o sector caracterizava-se por um postura pouco profissional mas com muito conhecimento empírico, baixos índices de mecanização, foco no mercado de vinho do Porto e uma viticultura com poucos cuidados ambientais.
A par da necessidade de renovar o conceito de empresa familiar, Álvaro Martinho aposta na recuperação das vinhas, na valorização da propriedade e dos vinhos do Douro. “Temos que ter noção da qualidade intrínseca da parcela, valorizar o conceito de local e produto genuíno. O vinho pode não ser o melhor, mas é aquele, daquele lugar, e isto faz-se com uma vincada aposta na comunicação.
Para isso, Álvaro dá também grande atenção à produção da horta, ao conceito de quilómetro zero, ao envolvimento da mulher e dos filhos na recepção e comunicação com os visitantes. Como exemplo, cita um grupo de americanos que há dois anos vêm para visitar as grandes quintas, mas acabam por destacar a visita às parcelas da sua pequena propriedade. “Falam dos tomates e pepinos que ajudaram a colher para a refeição, da prova no nosso armazém onde junto a família, cantamos umas músicas e explico os terrenos, as rochas, a importância das plantas e do mundo vegetal”.
Com os vinhos que engarrafa com o rótulo Mafarrico, que são distribuídos pela empresa Wine Teller, de Aveiro, em dois anos o volume de negócios passou dos 75 para mais de cem mil euros e já com crescente peso das actividades turísticas.
Além do conhecimento e treino adquirido na Quinta das Carvalhas, Álvaro Martinho tem também outra vantagem que é a enorme paixão pelo Douro, que pôs em versos e gosta de cantar com a sua guitarra e harmónica. "O cheiro a Primavera / destas vinhas e olivais / A força da natureza / não se esquecerá jamais; Em Setembro tenho o mosto / e em Janeiro tenho frio /muita história já se fez / nas encostas deste rio; é nesta vinha que vivo / e do vinho que ela faz / e agora não volto atrás / Estou feliz mais uma vez."