Tenho mesmo de ir ao funeral? É normal pensar na morte dos meus pais? Como lidar com a morte
É “inevitavelmente doloroso” lidar com a perda. E, ainda que não haja forma certa ou errada de fazer esse processo, há factores a ter em conta para evitar entrar numa situação de “luto patológico”.
Lidar com a morte é um processo transversal, "inevitavelmente doloroso", mas também pessoal. Se os rituais fúnebres são facilitadores, há quem sinta que é mais desconfortável ir do que não ir. É importante aceitar as emoções e encarar o luto como "necessário".
A psicóloga Daniela Simões ajuda a entender este processo e tranquiliza: o sentimento de culpa é comum. E pensar na morte de quem nos é importante também — desde que isso não afecte a nossa capacidade funcional.
Há um período de tempo saudável para o luto?
O luto é um “processo dinâmico” e que, na verdade, “não termina”. É, antes, esperado que a pessoa consiga “recolocar emocionalmente a pessoa falecida e prossiga com a sua vida”. E é isso que, geralmente, acontece: “Entre 80 a 90% das pessoas que estão a passar por um processo de luto conseguem fazer um processo saudável”, afiança a psicóloga.
Há que ter em conta que o luto é um processo “idiossincrático”, que deve ser visto de uma forma “muito única e pessoal”. No entanto, há alguns indicadores que devemos ter em conta, para evitar entrar numa situação de “luto patológico”.
É esperado que o processo de luto dure cerca de seis meses. Se, depois disso, se mantiverem dificuldades em “voltar ao trabalho, à escola, a socializar”, ou sintomas (expectáveis numa primeira fase) como “insónia, desregulação emocional intensa, sentimentos de raiva ou culpa, distúrbios de apetite ou, em casos mais extremos, de ideação suicida”, é importante considerar procurar ajuda.
Ir ao funeral é um passo essencial no processo? Como digo à minha família que não quero ir?
Os rituais fúnebres têm uma função “facilitadora”, mas o que “pode ser útil para lidarmos com a perda” é diferente de pessoa para pessoa. “Claro que, atendendo ao objectivo e função que o ritual fúnebre tem, ele deve ser acolhido, para que a pessoa possa tentar algo que, naquele momento, a pode ajudar a aceitar e a integrar a perda”, refere a psicóloga.
Ainda assim, não considera que “uma pessoa tenha de ir ao funeral para garantir que não vai desenvolver luto patológico”. É importante “respeitar o que estamos a sentir” e expressá-lo aos familiares. Daniela Simões aconselha que cada um faça “o que é menos desconfortável”: “Se para a pessoa, naquele momento, o menos desconfortável for não ir ao funeral, deve expressá-lo — e desejamos que a família possa acolher esta decisão.”
Cada vez penso menos em alguém que perdi — e isso faz-me sentir culpado. Como lidar?
É natural sentir “alguma estranheza”: “Estarei eu a ser má pessoa por já não sentir aquela intensa saudade ou tristeza?”, perguntamo-nos. Sendo o processo de luto “dinâmico”, “é esperado que algumas emoções possam, felizmente, ir sendo reguladas”, explica a psicóloga.
A tristeza e a saudade vão amenizando e isso acaba por gerar “não o esquecimento da pessoa, mas a recolocação da pessoa falecida”, a “aceitação da realidade da perda” e a “adaptação ao ambiente em que a pessoa falecida está ausente”. Quando esse processo acontece, “é natural que a saudade seja mais tolerável, que não se recorde tanto a pessoa como no início”.
É, na verdade, “expectável e bom” que isso aconteça. Só assim é possível “ir vivendo”.
Sinto que podia ter dado mais atenção a uma pessoa em vida. É normal sentir-me culpado?
“Depende muito das condições da morte em si”, salvaguarda a psicóloga. A culpa é “uma das reacções que podem surgir no processo de luto, que pode surgir como uma tentativa de encontrar razões para o que aconteceu”.
Neste caso, é preciso desconstruí-la: perceber “que crenças estão associadas a essa culpa” e reestruturá-las. E, acima de tudo, entender que é uma reacção normal.
Penso constantemente na morte dos meus familiares. É normal? Como posso controlar esses pensamentos?
As “pessoas com tendências mais obsessivas, com pensamentos ruminantes” estão mais predispostas a serem assaltadas por este tipo de pensamentos.
Mas existem fases da vida em que “o medo de perdermos as pessoas que nos são significativas” se agudizam. Um deles é na infância, quando “a criança adquire a percepção da morte como algo irreversível” e é gerada uma “ansiedade de separação” em relação àqueles que são os seus cuidadores.
É também natural que estas preocupações voltem a surgir na adolescência, “devido ao processo de crise existencial” e, mais tarde, quando começa a ser construído um projecto de vida e “pensamos na importância que os nossos pais e significativos têm para nós”. É também nesta fase que começamos a ver amigos a perderem os pais e “automaticamente nos colocamos nessa situação”.
É normal que, “qualquer pessoa que tenha uma relação de afecto e de pertença, possa ser assaltado em algum momento, de uma forma mais ou menos impactante, pelo medo dessa perda”, tranquiliza Daniela Simões.
No entanto, se esses pensamentos intrusivos “forem diários e começarem a causar impacto” — por exemplo, a obrigar alguém a ligar à mãe constantemente, para saber se está bem, se chegou bem, ou até “levar a pessoa a deixar de fazer certas actividades”, gerar dificuldade em estar longe de outra pessoa — aí “estamos a falar de um quadro do âmbito psicopatológico” e poderá ser útil procurar ajuda especializada.
O que posso ter em conta para fazer um luto saudável?
É importante lembrar que o luto é uma experiência “inevitavelmente dolorosa” e é essencial que a pessoa permita a si própria “viver e sentir as emoções”.
Há que ter em mente a ideia da “idiossincrasia”: a forma como o meu amigo fez o luto da mãe não tem de ser a forma como eu faço o luto da minha.
Voltar à rotina pode ajudar no processo de normalização. “Há um período de recolhimento após a perda, para a pessoa poder estar consigo mesma e com os familiares, mas, assim que as condições estiverem reunidas, pode ser conveniente ir normalizando. Porque isso vai ajudar a integrar a realidade da perda”, aponta a psicóloga.
E, sempre, encarar o processo como “natural e até necessário”: “Não devemos evitar expressar determinadas emoções porque, apesar de dolorosas, elas são facilitadoras e vão-nos permitir prosseguir com a vida.”