Cartier criticada por imagens de tribo devastada pela mineração ilegal de ouro

O site da marca de luxo francesa mostrava crianças yanomami a brincar para promover um projecto de preservação que nunca viu a luz do dia.

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Durante a pandemia, a Cartier usou os fundos que previa para um projecto de preservação florestal no combate à covid-19 Carlos Garcia Rawlins/Arquivo
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A Cartier está a ser alvo de críticas por utilizar imagens de um povo indígena da Amazónia afectado pela mineração ilegal de ouro, apesar da marca francesa de joalharia de luxo ter promovido projectos para a preservação.

Até há dois meses, o site da Cartier mostrava crianças yanomami a brincar num campo verde. A marca apresentava um projecto em que referia estar a trabalhar para promover a cultura dos povos indígenas e proteger a floresta tropical onde vivem, num vasto território que abrange o Brasil e a Venezuela.

No entanto, o projecto nunca aconteceu e a Cartier publicou a fotografia sem a aprovação da liderança yanomami​, violando as crenças de um povo que vivia em isolamento quase total até ser contactado por forasteiros na década de 1970, noticia a Associated Press (AP).

Alguns dos yanomami e os seus defensores elogiam a promoção pela Cartier das causas yanomami​. No entanto, a publicidade de uma das maiores joalharias do mundo tem sido alvo de algumas críticas. Há quem a acuse de greenwashing — a promoção da sua própria imagem através do apoio a uma causa ambiental.

“Como é que uma joalheira de ouro, contra a qual nós, yanomami, ​somos contra, pode usar a imagem dos yanomami​?”, questionou Júnior Hekurari, integrante do grupo indígena e chefe do conselho de saúde yanomami.

Segundo as estatísticas brasileiras, doenças, assassinatos e prostituição, alimentados por drogas e álcool importados por milhares de garimpeiros ilegais, devastaram a vida tradicional yanomami​, e 570 crianças indígenas morreram de desnutrição, diarreia e malária entre 2019 e 2022. O mercúrio utilizado na mineração ilegal causa defeitos congénitos e devasta ecossistemas.

Cartier defende-se

A Cartier refere que não compra ouro extraído ilegalmente, mas os líderes yanomami pedem para que não se comprem jóias de ouro, independentemente da sua origem, porque a procura pelo metal precioso aumenta o seu preço e atrai mineradores para o seu território.

De acordo com o seu relatório anual, esta e outras marcas que fazem parte do grupo suíço Richemont tiveram vendas combinadas de 11 mil milhões de euros no ano fiscal encerrado em 31 de Março de 2022.

A ligação da Cartier com os cerca de 40.000 yanomami​ remonta há 20 anos, através da Fondation Cartier, uma fundação filantrópica criada e financiada pela empresa em 1984.

No passado, poucos yanomami​ ou seus defensores criticaram publicamente a Cartier ou a sua fundação, mas um número crescente começou a expressar preocupação.

Recentemente, a fundação patrocinou uma exposição de fotografias de yanomami, da fotojornalista Claudia Andujar, juntamente com obras de artistas indígenas, num elegante centro de artes sem fins lucrativos de Manhattan, Nova Iorque. Anteriormente, em Paris, a mostra foi elogiada por meios de comunicação como o The New York Times ou Luxury Daily, uma influente publicação do sector cuja manchete dizia: “A Fondation Cartier continua a pressionar pela justiça indígena através do patrocínio da arte”.

Barbara Navarro, uma artista francesa, viu algo muito diferente, assim como vários outros artistas, inclusive alguns daquela tribo. “Os yanomami​ estão a pagar o preço com a sua saúde e com as suas próprias vidas pela implacável avidez por ouro da nossa sociedade”, escreveu Navarro. “Para a Cartier, o patrocínio aos yanomami​ representa uma oportunidade de polir sua marca”, acrescentou.

Para muitos grupos indígenas, o uso da sua imagem por uma empresa ou filantropia necessita de uma autorização formal. Segundo o Conselho Indígena de Roraima, organização de base, citando a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil, a fotografia das crianças no site da Cartier violou o direito dos yanomami​ ao consentimento prévio, livre e informado, acrescenta a AP.

Hekurari realçou que esta tribo precisa de cooperação internacional, mas a sua organização nunca aceitaria dinheiro de uma joalheira. Nas suas viagens pelo território Yanomami, uma área do tamanho de Portugal, o líder yanomami encontrou dezenas de crianças esqueléticas em comunidades sitiadas por milhares de garimpeiros ilegais.

A Cartier recusou-se a comentar o apelo dos yanomami para que as pessoas parem de comprar jóias de ouro, mas, quando contactada pela AP no final de Março, a marca de retirou a imagem e a descrição do projecto.

A marca informou que foram destinados fundos para um projecto de preservação florestal, mas que acabaram por ser utilizados para adquirir equipamentos médicos para combater a covid-19 entre os yanomami​, acrescentando um pedido de desculpas pelo “descuido lamentável” devido à “descrição imprecisa” do projecto.