Rússia prepara um Dia da Vitória com precaução redobrada
O ataque ao Kremlin e a vários locais dentro do território russo aumentam nervosismo das autoridades. Putin tem oportunidade para “mostrar à nação que ainda está forte”.
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Aparentemente, tudo normal em Moscovo. A grande parada militar do Dia da Vitória, em que se comemora a derrota da Alemanha nazi em 1945, tem estado a ser preparada e ensaiada nos últimos dias nas imediações da Praça Vermelha. E Vladimir Putin, como habitualmente, fará um discurso.
Mas o ataque com drones ao Kremlin, a sucessão de ataques e sabotagens a infra-estruturas em solo russo, a tensão pública entre o grupo Wagner e as Forças Armadas e a incapacidade de conquistar totalmente Bakhmut estão a causar nervosismo entre a elite política russa e as autoridades tomaram medidas de segurança excepcionais.
A Praça Vermelha, por exemplo, está fechada ao público desde há duas semanas. “É muito invulgar e penso que espelha a sensação de desconforto que se vive aqui”, comentou há dias Steve Rosenberg, há décadas correspondente da BBC em Moscovo.
Por outro lado, diz o El País, foram colocadas baterias antiaéreas no topo de vários edifícios governamentais, enquanto o The Guardian relata a distribuição de binóculos pelos agentes da polícia, a proibição de drones em certas zonas e a interferência com os sinais de GPS, o que teve como consequência a impossibilidade de chamar táxis.
“Há um nervosismo como nunca senti”, disse ao jornal britânico um funcionário da câmara municipal, ainda assim reconhecendo que “não há outra opção” se não assinalar o Dia da Vitória, na terça-feira, mesmo com mudanças face a anos anteriores: a tradicional marcha do Regimento Imortal, em que as pessoas levam retratos dos soldados que combateram na Segunda Guerra Mundial, não se vai realizar.
No ano passado, o Dia da Vitória assinalou-se depois da conquista de Kherson (entretanto recuperada pelos ucranianos) e quando Mariupol já estava praticamente em mãos russas. Sem mencionar especificamente esses territórios, a palavra “vitória” ou sequer “Ucrânia”, o Presidente russo exaltou os soldados: “Estão a lutar pelo nosso povo no Donbass, pela segurança da nossa pátria.”
Este ano, “esta é a oportunidade de Putin mostrar à nação que ainda está forte e no comando da chamada ‘operação militar especial’”, disse ao The Guardian o analista Andrei Kolesnikov, do Carnegie Endowment for International Peace.
Já Anna Colin Lebedev, especialista em Rússia na Universidade de Paris Nanterre, escreveu no Twitter que “até agora Moscovo utilizou muito pouco os ‘dias simbólicos’ para anúncios importantes” e que, portanto, não acredita que o Dia da Vitória seja muito diferente do que em anteriores ocasiões. “Putin fará um discurso aborrecido, que se parecerá com todos os seus discursos nos últimos meses: lição de história, o Ocidente que quer destruir a Rússia e apoia os neonazis, patriotismo.”
Grupo Wagner volta atrás
O “pequeno suspense”, diz Lebedev, é ver se há combatentes do grupo Wagner a desfilar. Os insultos de Ievgueni Prigojin ao ministro da Defesa russo e ao comandante da tropa na Ucrânia por alegada falta de munições para a batalha de Bakhmut elevaram a tensão entre o empresário e as lideranças política e militar de Moscovo. A ponto de Prigojin ter anunciado que se ia retirar daquela cidade ucraniana na próxima semana.
O conflito, entretanto, parece sanado. Prigojin disse neste domingo no seu canal de Telegram que lhe foram “prometidas todas as munições e armas necessárias para continuar as operações” e que lhe será enviado “tudo o que for preciso para evitar que o inimigo interrompa” os fornecimentos.
Ou seja, Prigojin já não parece disposto a abandonar Bakhmut — uma decisão que não é totalmente surpreendente, tendo em conta que o patrão dos Wagner já antes fez anúncios que não cumpre, classificando-os mais tarde como apenas piadas.
O lado ucraniano já tinha demonstrado cepticismo quanto às palavras de Prigojin e diz mesmo que as queixas sobre falta de munições são uma manobra para desviar o foco das baixas pesadas que o grupo Wagner tem sofrido em Bakhmut — sobretudo perante a audiência russa, para a qual Prigojin parece querer construir uma imagem de respeitabilidade.
Serhii Cherevati, porta-voz do comando militar do Leste da Ucrânia, comentou à Reuters: “Quatrocentos e oitenta e nove ataques de artilharia nas últimas 24 horas na zona em redor de Bakhmut. É a isto que chamam falta de munições?”