O que é o selo da sustentabilidade para o vinho? Como vai funcionar?
Para que a sustentabilidade não seja palavra vã, o sector do vinho criou um selo nacional. Desafios climáticos, a boa gestão dos recursos e os mercados assim o exigem. Eis como nasceu e vai funcionar.
Usado por tudo e por nada, o conceito de sustentabilidade banalizou-se de tal forma que passou a ser olhado pelos consumidores com alguma desconfiança. No mundo agrícola - e não só - não há quem seja insustentável. Não há quem não tenha vários itens qualquer para mostrar que está de acordo com o ar dos tempos. É certo que, hoje, um empresário dizer que adopta práticas de sustentabilidade é o mesmo que dizer que o seu objectivo é o lucro. É uma evidência. Se não for sustentável terá, claro está, os dias contados.
Mas uma coisa é uma empresa dizer que tem uma cultura organizacional assente na filosofia da sustentabilidade, outra é ter esse reconhecimento assegurado por auditorias externas e independentes, a partir de regulamentos internacionalmente reconhecidos. A conversa é diferente. E é por isso que um conjunto de entidades do sector do vinho, indicadas pela ViniPortugal e coordenadas pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) criaram o Referencial Nacional de Certificação de Sustentabilidade do Sector Vitivinícola (e que daqui em diante referiremos como Referencial Nacional ou RN). Daqui a pouco tempo, quando os consumidores virem, nas garrafas, o selo do Referencial Nacional (ver...), saberão que a empresa em causa cumpre um vasto conjunto de indicadores de sustentabilidade em quatro domínios chave: ambiental, social, económico e gestão e melhoria contínuas.
Por comparação, quando um produtor, por exemplo do Dão, quer colocar o seu vinho com denominação de origem Dão no mercado, isso não depende apenas da sua vontade. Ele terá de enviar o seu vinho para, em prova cega, ser avaliado pela câmara de provadores da Comissão Vitivinícola do Dão. Se esta garantir que amostra em causa está de acordo com o caderno de especificações definido para os vinhos do Dão, o vinho passará então a ostentar o selo da região. E é exactamente isso que vai acontecer com o Referencial Nacional. Só terá o selo na garrafa o produtor que cumprir com as exigências definidas no caderno de encargos.
O consumidor, ao escolher uma garrafa com o selo de sustentabilidade, saberá que essa empresa tem cuidados acrescidos com – são apenas alguns exemplos – a boa gestão da água e dos solos, as condições de trabalho dos colaboradores ou a eficiência dos factores de produção. No fundo, comprará a garrafa de um produtor que gere o seu negócio de uma forma holística e profissional. Não apenas porque o produtor o afirma, mas porque alguém externo atestou isso mesmo. O selo credibilizará quem trabalha bem.
O Referencial Nacional é uma consequência dos desafios ambientais dramáticos com que nos defrontamos, está em linha com um vasto conjunto de políticas determinadas pela UE (ao nível agrícola e ambiental) e é, também, a necessidade de Portugal acompanhar o que já é feito noutros países produtores (EUA e Austrália em particular), por forma a não perder e/ou ganhar quota num mercado altamente competitivo e complexo. “Não tenhamos a mínima ilusão: ter um selo de sustentabilidade significa uma vantagem competitiva nos mercados onde já estamos e naqueles onde queremos estar”, refere ao Terroir Bernardo Gouveia, presidente do IVV. Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal enfatiza a tese, realçando que, “em breve, nenhuma empresa de grande ou média dimensão, poderá concorrer aos tender (concursos para os monopólios de comércio de vinho nalguns países) sem a apresentação de um selo de sustentabilidade.
Como estas matérias costumam ter uma carga burocrática/administrativa considerável, tentemos explicar o Referencial Nacional com o uso à técnica de Respostas & Perguntas. Nos próximos dias daremos notícia de produtores que se destacam por boas práticas ambientais.
O que é o Referencial Nacional de Certificação de Sustentabilidade do Sector Vitivinícola (abreviaremos por RN)?
É um programa destinado a melhorar as boas práticas de todos os operadores do sector vitivinícola e a dar aos consumidores a garantia de que um operador que coloca o selo de sustentabilidade nas suas garrafas cumpre os requisitos do programa e está empenhado em melhorar os seus procedimentos no tempo. O selo que virá em cada garrafa não certifica o vinho, certifica a empresa que produz o vinho.
Quem criou o RN?
A partir de um memorando conjunto, a ViniPortugal e o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) criaram um grupo técnico com diferentes especialistas que, a partir da elaboração de um caderno de encargos, lançou um concurso público para a criação do RN, o qual foi ganho pela Consulai. A partir da homologação do RN pelo Governo, a gestão do RN passou para a responsabilidade da ViniPortugal, que é quem está, desde o final do ano passado, a implementar o programa. O projecto é desencadeado pela ViniPortugal, mas a pedido do sector vitivinícola.
Quais são as grandes áreas abrangidas pelo RN?
O ambiente, a economia, as questões sociais e a gestão e melhoria contínuas. Cada um destas quatro áreas tem um vasto conjunto de capítulos que se vão dividindo em cascata por muitos indicadores.
Qual é a área que exigirá maior adaptação por parte das empresas?
Claramente a área ambiental, onde, na vinha, há exigências quanto à gestão da água, gestão do solo, gestão das pragas e doenças, eficiência energética, gestão de ecossistemas e outros itens.
Os operadores têm de satisfazer todos os indicadores de cada uma das quatro grandes áreas?
Não, mas existem vários requisitos mínimos para a conclusão do processo de certificação. Além do mais, o RN é um programa que pressupõe melhorias contínuas ao longo do tempo.
Em que metodologias se inspirou o RN?
Em duas resoluções da Organização Internacional do Vinho e na análise de programas de sustentabilidade de outros países, em particular os EUA e a Nova Zelândia.
Existem outros planos de sustentabilidade em Portugal?
Sim, existe o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, que já tem 13 empresas alentejanas certificadas
Como funcionará o RN?
Cada empresa que queira aderir ao RN deverá, a partir da leitura do normativo, fazer, em primeiro lugar, uma auto-avaliação, para perceber em que estado se encontra. A partir do resultado desta autoavaliação deverá desencadear um plano de acção e, em consequência, a sua implementação. Terminado o processo, poderá candidatar-se à certificação.
Quem é o gestor do RN?
A ViniPortugal.
Quem pode aceder ao RN ?
Qualquer empresa do sector do vinho
O RN é obrigatório?
Não
Quantas empresas estão em processo de análise e auto-avaliação do RN?
De acordo com Frederico Falcão, 33, estimando o presidente da ViniPortugal que até ao final de Julho possam existir já empresas certificadas.
Quanto custará ao produtor ter o selo do RN?
Tal dependerá de muitos factores, em particular da dimensão da empresa e do estado de partida em que se encontra. Se já tem boas práticas de gestão de recursos, será mais célere e mais barato; se tiver que começar do zero, levará mais tempo e terá mais custos. A empresa pode, inclusive, sentir necessidade de socorrer-se de um consultor externo.
Em todo o caso, Frederico Falcão estima que, para o processo de certificação, “um dia de trabalho de um auditor poderá variar entre 400 e 800 euros”. Uma empresa pequena poderá ser auditada num dia, uma maior em 3 dias.
Por que razão é importante aderir ao RN?
Porque a humanidade está perante desafios climáticos sérios, porque os consumidores são exigentes (em particular os do norte da Europa e dos EUA), porque o selo é um trunfo competitivo e porque o cumprimento dos critérios do RN transforma-se num exercício de exigência, inovação e auto-avaliação por parte das empresas. O RN é só mais um paradigma de gestão evolutivo e que veio para ficar.
Como posso saber mais sobre o RN?
Através do site da ViniPortugal.