Viúva de príncipe italiano despejada de palácio com tecto de Caravaggio

A justiça italiana deu razão aos filhos do príncipe Nicolò Boncompagni Ludovisi e forçou a ex-actriz texana a deixar a Villa Aurora, em Roma, onde vivia há quase 20 anos.

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Detalhe do mural de Caravaggio na Villa Aurora, em Roma WIKICOMMONS

A princesa Rita Boncompagni Ludovisi, terceira e última mulher do príncipe Nicolò, que morreu em 2018, foi forçada na quinta-feira, por decisão de um tribunal italiano, a deixar o palácio romano onde vivia, a Villa Aurora, que possui o único mural conhecido de Caravaggio e um fresco do pintor barroco bolonhês Guercino.

No seu testamento, Nicolò Boncompagni Ludovisi, assegurou à viúva, uma americana natural de San Antonio, no Texas, que poderia usufruir do palácio enquanto vivesse, estipulando ainda que, em caso de venda da propriedade, a verba resultante deveria ser dividida entre esta e os seus três enteados. Os filhos do príncipe não aceitaram, todavia, as disposições do pai e moveram um processo judicial contra a madrasta, que chegou agora a uma conclusão, mas ainda susceptível de recurso.

Numa anterior sentença, a justiça italiana ordenara a venda do palácio quinhentista, que foi à praça em Janeiro de 2022 com um preço de partida de 471 milhões de euros, mas não encontrou compradores. Ainda foi feita uma segunda tentativa, partindo de 377 milhões, mas novamente sem resultados. Já em Janeiro deste ano, o tribunal ordenou à princesa que abandonasse a Villa Aurora num prazo de 60 dias, decidindo ainda que tudo o que restasse na residência seria confiscado ou destruído. Foi para garantir que esta determinação era cumprida que a polícia romana se deslocou na quinta-feira ao palácio, obrigando a princesa a deixar a casa onde viveu quase duas décadas, primeiro com o marido, e depois sozinha.

Originalmente construída na segunda metade do século XVI, a Villa Aurora entrou nas mãos da família Ludovisi em 1621, quando o cardeal Ludovico Ludovisi adquiriu um vasto conjunto de edifícios e terrenos no centro de Roma, de que hoje resta apenas este palácio de 2800 metros quadrados, com as suas 40 divisões.

Mas se o valor do imóvel já é considerável, só o seu tesouro principal, o óleo sobre estuque pintado por Caravaggio no tecto de uma divisão que serviu de laboratório ao primeiro proprietário do palácio – o cardeal Francesco del Monte, um patrono de cientistas e artistas com fama de alquimista – está estimado em 350 milhões de euros. Representando Júpiter, Plutão e Neptuno numa composição em cujo centro sobressaem o globo terrestre e os símbolos do Zodíaco, este mural é naturalmente um bem classificado, que não poderá ser movido do lugar onde se encontra.

Um Miguel Ângelo no jardim

Além do Caravaggio e do já referido fresco de Guercino, protagonizado pela deusa Aurora – foi esta obra que deu nome à villa –, o palácio conserva preciosidades e curiosidades acumuladas ao longo de gerações, incluindo uma escultura de Miguel Ângelo, que se encontra no jardim, ou um telescópio oferecido aos Ludovisi pelo próprio Galileu. Além de um arquivo que conterá cerca de 150 mil páginas, com documentos que, em alguns casos, remontam ao século XV.

Corey Brennan, um professor da Rutgers University, em Nova Jérsia, que dirigiu um projecto de digitalização do património do palácio garantiu ao site The Art Newspaper que este está “completamente recheado de objectos preciosos”, acrescentando que a sua última inquilina, agora despejada, “levou consigo os seus pertences pessoais, mas deixou tudo o resto”.

E, para mostrar que as riquezas artísticas do palácio estão longe de se resumir ao seu famoso Caravaggio, explica que nas paredes de uma só sala é possível admirar pinturas a óleo atribuídas ao pintor renascentista Scipione Pulzone e a artistas do início do barroco, como Domenico Zampieri ou Ottavio Leoni.

Em declarações ao jornal italiano Il Gazzetino, um dos filhos do príncipe, Bante Boncompagni Ludovisi, explicou que o palácio tem de fechar para poder ser renovado”, e que por isso terá de ser esvaziado. Bante e os seus irmãos obtiveram agora uma vitória jurídica sobre a madrasta, que foi acusada pela juíza responsável pelo caso, segundo noticia o Art Newspaper, de ter violado uma ordem do tribunal que a proibia de conduzir visitas guiadas na Villa Aurora e ainda de não ter assegurado uma adequada manutenção da propriedade.

A princesa e o marido já tinham realizado obras no edifício em 2010, no valor de 11 milhões de euros, e foi justamente durante essa empreitada que se descobriu o valioso espólio documental da família, que levou Rita a criar o Arquivo Digital Boncompagni Ludovisi. No dia em que foi despejada, a princesa assegurou à agência Associated Press que tem cuidado devidamente do palácio.

Antes de somar ao seu nome os apelidos Boncompagni Ludovisi, Rita nasceu no Texas, em 1949, com o sobrenome Carpenter. Durante alguns anos trabalhou para as estruturas locais do Partido Republicano, mas acabou por se casar, em 1976, com o congressista democrata John Jenrette, de quem se divorciou em 1981. Nos anos 80 foi actriz e modelo, e na década seguinte fez carreira como agente imobiliária, tendo sido nessa condição que conheceu o seu futuro segundo marido.

Um dos advogados que a representam no processo contra os enteados, mas que não quis ser nomeado, confirmou ao Art Newspaper que a equipa jurídica da princesa já tinha recorrido da sentença e não excluiu mesmo, se necessário, um posterior recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

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