António Guterres “não está supreendido” por ser “espiado”
Documentos confidenciais norte-americanos sugerem desconfiança de Washington sobre posição de António Guterres perante o conflito ucraniano.
O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, "não está surpreendido" por ser "espiado" e as suas conversas privadas "escutadas", disse esta quinta-feira o seu porta-voz, Stéphane Dujarric, em reacção à divulgação de documentos secretos norte-americanos que indicam que Washington tem monitorizado o líder da ONU.
"O secretário-geral está nestas funções há bastante tempo, já esteve na política e é uma figura pública há muito tempo, e não está surpreendido com o facto de alguns o espiarem e de que as suas conversas privadas sejam escutadas", disse Dujarric na sua conferência de imprensa diária em Nova Iorque.
Considerou, no entanto, lamentável que essas conversas tenham sido "distorcidas" e depois tornadas públicas.
Dujarric recusou-se ainda a revelar que precauções serão tomadas para evitar a monitorização de futuras comunicações privadas. "Tomamos todas as medidas que pudermos tomar, mas a necessidade de respeitar a inviolabilidade das comunicações da ONU aplica-se a todos os Estados-membros", afirmou.
"Faremos os ajustes que forem necessários para garantir que as nossas comunicações sejam o mais seguras possível. (...) Assim como tentamos manter o nosso pessoal fisicamente seguro constantemente, continuaremos os nossos esforços para tentar manter as nossas comunicações seguras", acrescentou.
De acordo com uma notícia da BBC que tem como base documentos secretos norte-americanos sobre a Ucrânia, os Estados Unidos acreditam que António Guterres está "demasiado disposto" a aceitar os interesses russos.
A BBC afirma que os documentos revelados nas redes sociais contêm observações sobre António Guterres "e de vários líderes africanos" sobre a guerra na Ucrânia, sendo que um dos ficheiros secretos refere-se ao transporte de cereais que faz parte do acordo firmado no ano passado entre a Ucrânia e a Rússia, após a intervenção da ONU e da Turquia.
Alegadamente, o documento sugere que António Guterres estava tão interessado em preservar o acordo que estava "disposto a aceitar" os interesses da Rússia.
Vários documentos descrevem ainda comunicações privadas envolvendo Guterres e a sua secretária-geral adjunta.
Face às observações norte-americanas de que Guterres tem sido demasiado brando com a Rússia e que o seu trabalho estaria a "minar os esforços mais amplos para responsabilizar Moscovo" pela guerra, Dujarric lembrou que o líder da ONU "tem sido muito claro sobre as violações do direito internacional" por parte da Rússia e sublinhou que os seus esforços em relação ao acordo dos cereais procuram "mitigar o impacto da guerra entre os mais pobres do mundo".
"O secretário-geral não foi brando com nenhum país. Ele foi muito claro sobre as violações do direito internacional, muito claro sobre as violações da carta. Ele diz a mesma coisa quando está em Moscovo, quando está em Kiev, quando está em Nova Iorque, e isso está no registo aberto dos nossos esforços", disse.
"Pode criticar-se ou analisar o que o secretário-geral diz, mas acho que ele tem sido extremamente consistente na sua posição desde o início. E ele também tem sido consistente em tentar fazer tudo o que pode para ajudar a aliviar a crise de fome e parte disso é colocar alimentos e fertilizantes no mercado global", advogou.
Questionado sobre se Guterres foi procurado pela embaixadora norte-americana junto da ONU para abordar esta recente fuga de informação, Dujarric optou por não responder.
A notícia da BBC refere ainda que "funcionários da ONU [que não são identificados] estão claramente descontentes com a interpretação norte-americana dos esforços de Guterres", afirmando que o secretário-geral da ONU tornou muito clara a "oposição à guerra".
Durante a última semana foram publicados nas redes sociais vários documentos militares e dos serviços de informações dos Estados Unidos, datados de Fevereiro e Março, relacionados com a invasão russa da Ucrânia e com alegados detalhes sobre os planos do "Ocidente" no apoio a Kiev.
Os documentos, cuja autenticidade ainda não foi oficialmente confirmada, também apontam que os Estados Unidos vigiaram alguns dos países aliados de Washington, como a Ucrânia, Coreia do Sul ou Israel.
As autoridades norte-americanas querem interrogar Jack Teixeira, um membro da Guarda Aérea Nacional, de Massachusetts, suspeito de ter divulgado documentos confidenciais do Pentágono.
Os investigadores do FBI acreditam que este militar, especialista em informações, era o administrador de um grupo nas redes sociais digitais onde os documentos começaram a ser divulgados, na passada semana.
Teixeira, de 21 anos, natural de Swansea, estado de Massachusetts, deverá prestar declarações por suspeita de divulgação de documentos confidenciais.