José Abraão: “Desvio significativo” da inflação pode levar a novo aumento na função pública

José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública, não põe de parte a possibilidade de ainda haver aumentos extras na função pública este ano. Tudo depende da inflação.

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José Abrão é secretário-geral da Fesap Rui Gaudencio

Na tarde desta quarta-feira, o Governo recebeu os sindicatos da Administração Pública para fechar alguns pontos das negociações em curso. José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), saiu da reunião satisfeito com um ponto acordado: os funcionários públicos vão receber os retroactivos dos aumentos extras (de 1%) em Maio e não vão fazer retenção do imposto relativo a esse valor. Só no ano seguinte, quando entregarem a declaração de IRS, será feito o acerto, incluído já na globalidade dos rendimentos.

O sindicalista, que é do PS e que nunca foi entusiasta da "geringonça", acredita que há, com o actual executivo, "uma outra visão da política" e que, por haver "uma maioria absoluta, o Governo não tem espaço para dizer que não faz" o que promete. "Os trabalhadores não perdoariam se não se aproveitasse para fazer mesmo", admite.

Estes foram dois dos temas abordados na entrevista que será emitida no programa Hora da Verdade, na Rádio Renascença, na quinta-feira, pelas 23 horas.

O Governo irá pagar, em Maio, os aumentos extras anunciados para a Administração Pública. A retroactividade em Janeiro está garantida. Era possível ter ido mais longe?
É sempre possível ir mais longe. Depois de um resultado macroeconómico como aquele que tivemos no ano de 2022 — em que havia, como sempre dissemos — folga para valorizar os salários e valorizar as carreiras, sempre considerámos que se podia ir mais além. No entanto, o acordo que celebrámos, tratando-se de um acordo plurianual, garante aos trabalhadores 208 euros até final da legislatura, no mínimo. Isto é, 52 euros em cada ano. É preciso ter presente que, quando assinámos este acordo, na base remuneratória da Administração Pública havia já garantido um aumento de 8%. Agora, haverá mais 1%, porque funcionou a cláusula que previa uma correcção caso houvesse desvios significativos — e houve, na inflação, de 7,4 para 7,8%. É insuficiente, como digo, mas melhorou. Queríamos mais? Seguramente que sim. Agora temos de ter em consideração que também houve uma evolução importante nesta questão dos aumentos, quando o Governo decidiu – podia tê-lo feito da primeira vez mas não fez – aceitar a proposta da Fesap de um aumento do subsídio de refeição para seis euros isentos de impostos. Este aumento valoriza os salários, mas também é preciso valorizar as carreiras.

Ainda se chegou a falar em novos aumentos, mas isso já está fora dos planos, ou não?
Depende, porque fizemos um acordo que tem a virtualidade de, havendo desvios significativos e importantes [da inflação], qualquer das partes poder accionar este mecanismo. Portanto, conforme foi accionado agora, imagine que chegamos a Outubro ou Novembro e temos um desvio significativo, é evidente: nessa altura estaremos de negociar o Orçamento do Estado para o ano de 2024 e há-de incorporar, muito provavelmente, nos termos do acordo que celebrámos, o desvio que entretanto se possa vir a verificar. Diria que o acordo é positivo, protege os trabalhadores. Vale mais ter em consideração que não podemos trocar o certo pelo incerto.

Nesse caso, até Outubro ou Novembro podemos ter um novo aumento?
A cláusula é clara e concreta. Há dois momentos em que se pode accionar a cláusula: um é na negociação anual do Orçamento do Estado e outro é quando se constatam definitivamente desvios. Se chegarmos a essa altura, cá estaremos – esperando também, sinceramente, que se criem as condições para aumentar os pensionistas porque também sofrem esta enorme inflação como todos nós.

Esta quarta-feira houve nova reunião com o Governo. Houve algum avanço na questão da revisão das tabelas do IRS?
Houve pelo menos a entrega de um projecto de diploma que tem a ver com os aumentos salariais que vão ser pagos durante o mês de Maio e foi-nos garantido que antes do pagamento destes aumentos haverá novas tabelas do IRS que vão vigorar dois meses, já que em Julho entrarão em vigor as tabelas que já estão publicadas. Mas hoje mesmo, nesta reunião, ficou claro para nós — através no projecto de diploma para o aumento, que vai a Conselho Ministros tão rápido quanto possível, provavelmente amanhã [quinta-feira] —, que nessa altura tudo aquilo que tem que ver com retroactivos entre Janeiro e Maio não terá retenção.

Portanto, diria que é equilibrado, mas também falta perceber que impacto terá ou não o novo modelo — as novas tabelas que entrarão em vigor em Julho — para percebermos se qualquer aumento salarial bruto corresponde, de facto, a um aumento líquido e se os aumentos não são absorvidos pela inflação, nem pelos impostos, porque é preciso reduzir a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, que é hoje enormíssima no nosso país.

E o Governo deu algum sinal em relação aos impostos, que não haja perdas?
Nós fizemos este acordo e ele garantia o princípio da neutralidade fiscal quanto aos aumentos, porque depois, quando falamos de valorizações nas carreiras, acontece o que já acontecia até aqui. Ora, como se trata de um de um acerto no aumento salarial, temos pelo menos a certeza de que não haverá agravamento fiscal por consequência do aumento normal, que era o que estava pressuposto. Se assim não for, certamente haveremos de tomar posição, e séria, relativamente a esta matéria, na justa medida em que foi garantido que, com os aumentos, ninguém tinha mais retenção de salário na fonte.

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Acha que há margem para o aumento, futuramente, das pensões em 10% para compensar a perda de poder de compra, sobretudo nas pensões mais baixas?
O aumento das pensões está muito associado à fórmula e àquilo que é a inflação apurada em Novembro de cada ano. Se este ano aconteceu que uma parte foi paga nos termos que todos nós reconhecemos — quase como um subsídio, como suplemento —, é bom que se volte à normalidade e a normalidade é repor aos pensionistas aquilo a que eles sempre tiveram direito.

Acredito sinceramente que a margem, ou aquilo que hoje é o espaço de manobra que o Governo tem, permitirá fazer justiça também com os reformados e pensionistas, como espero que faça e continua a fazer com os trabalhadores da Administração Pública.

Ainda agora discutimos com o Governo que no mês de Maio vamos negociar um diploma que há-de permitir a mudança de posição remuneratória àqueles trabalhadores que estavam cá já desde 2005, que foram prejudicados por consequência dos congelamentos e de modo a que, quem tiver seis pontos resultantes da avaliação de desempenho, chegue a 1 de Janeiro de 2024, mude uma posição remuneratória.

(...) Acho que há aqui uma outra visão da política e, porque temos uma maioria absoluta, o Governo não tem espaço para dizer que não faz. Os trabalhadores não perdoariam se não se aproveitasse para fazer mesmo e modificar o quadro que temos até agora.

A progressão das carreiras foi apenas indirectamente falada na reunião?
Nós temos sempre como objectivo, em cada reunião, fazer alguma projecção daquilo que se vai tratar a seguir. Em Maio vamos discutir esta questão das valorizações ou das compensações por causa do congelamento. E vamos continuar naturalmente a negociação do SIADAP [Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública], que é outra coisa que se pretende que seja simplificada, que permita progressões mais rápidas.

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