Porquê a divulgação científica? “A ciência não é uma ilha”

Recolhemos cinco depoimentos sobre a importância de comunicar a ciência para toda a gente e o que ainda falta fazer em Portugal a este respeito.

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Tubos num laboratório de investigação científica Stefan Wermuth/Reuters

Maria Amélia Martins-Loução (bióloga), Carlos Fiolhais (físico), David Marçal (bioquímico), Miguel Crespo (jornalista e investigador em comunicação digital) e Mariana Alves (investigadora em educação e comunicação de ciência) deixam aqui os seus depoimentos sobre a relevância de disseminar o conhecimento científico pela sociedade. Gostam de fazer divulgação científica ou têm-na mesmo como objecto de estudo e reflexão.

“Informar e inspirar o público”

A comunicação científica é fundamental para a prática de informar e inspirar o público sobre o conhecimento científico. Envolve partilhar informações juntamente com a incerteza que as cerca ou fornecer detalhes suficientes e apoiá-las com dados experimentais.

No momento actual, com as informações e desinformações constantes veiculadas pelas redes sociais e os problemas ambientais e de desenvolvimento que a sociedade enfrenta, cabe ao comunicador tornar a ciência mais transparente em termos de opinião pública (demonstrando a importância do dinheiro público investido), dar a conhecer à sociedade as descobertas científicas, divulgar o conhecimento científico aos decisores políticos, para além de inspirar os jovens e motivar as comunidades.

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A bióloga Maria Amélia Martins-Loução DR

Em Portugal falta investir em comunicação de ciência, não apenas a nível de formação, mas sobretudo a nível profissional. Um comunicador de ciência tem de ser, e mostrar que é, um importante e crucial meio de conexão com o público, que sabe ouvir e partilhar. Não pode ser uma actividade secundária que se exerce em paralelo para comunicar o que se investiga.
Maria Amélia Martins-Loução, professora catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia

“Melhorar o acesso dos jornalistas aos cientistas”

A pandemia de covid-19 foi um motor de mudança na comunicação de ciência. Por um lado, as pessoas ficaram cansadas de tanta informação, por outro ficaram confusas ao ver tanta ciência a ser feita em directo. O cidadão está habituado a lidar com a ciência quando ela apresenta resultados, não enquanto está em processo. A maior queixa que vimos foi porque num dia os “cientistas” nos diziam uma coisa e no dia seguinte nos diziam algo diferente, até o oposto, não percebendo que isso faz parte do método científico e da produção científica.

Ficou claro que quando se comunica para o público em geral é necessário começar a explicar o processo científico, as fases e os processos, e não apresentar apenas os resultados. Por outro lado, é preciso dar uma cara mais humana à ciência, mostrar as múltiplas faces da ciência (para desconstruir a ideia de que a ciência é feita por alguém ao serviço de interesses obscuros ou parte de uma qualquer conspiração) e que a ciência é plural.

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O jornalista e investigador Miguel Crespo Marta Crespo

Para melhor comunicar ciência para o público em geral, é preciso melhorar o acesso dos jornalistas aos cientistas, e as instituições são fundamentais. A contrário de outros países, é impossível encontrar os investigadores e professores das instituições nos sites. Se um jornalista precisa de um especialista num assunto, não é fácil encontrá-lo e, se o encontrar, dificilmente tem resposta em tempo útil.

Mas os cientistas também são culpados e preferem culpar o jornalista-mensageiro de eventuais erros publicados do que assumir que o erro é seu, ao não se preocuparem em comunicar e em contribuir para a difusão de ciência. Isso poderia melhorar com mais formação em comunicação de ciência: deveria haver mais cientistas a aprender jornalismo e jornalistas a aprender a comunicar ciência.
Miguel Crespo, jornalista e investigador em comunicação digital no MediaLab do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa

“A ciência não é dos cientistas, mas de toda a comunidade humana”

A ciência não é uma ilha nem os cientistas são Robinsons Crusoe. A ciência é o esforço humano para compreender a Natureza, da qual fazemos parte, e os cientistas são apenas aqueles que, em nome de todos, empreendem esse esforço. A ciência não é dos cientistas, mas de toda a comunidade humana, sem distinção de etnia, idade, religião, condição económica, etc.

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O físico Carlos Fiolhais Adriano Miranda

Os cidadãos mandatam os cientistas para saber mais, um impulso básico derivado da curiosidade humana e também uma condição para vivermos mais e melhor. É crucial que os cientistas dêem conta a todos da compreensão que vão alcançando do mundo e também do método que usam para a alcançar. O uso de um modo mais geral desse método, onde entram a observação, a experimentação, a lógica e a crítica, permite uma maior racionalidade na nossa vida. No mundo de hoje, repleto de mentiras, a racionalidade afigura-se cada vez mais necessária.

Com algum atraso na educação, Portugal não é dos países da Europa com mais cultura científica, isto é, interiorização da ciência pela sociedade. Torna-se necessário reforçar o esforço, convocado por Mariano Gago e outros, de afirmação da ciência na sociedade, o que passa pelas escolas, pelos meios de comunicação social, pelos museus e parques, pelas artes, etc. É pena que a boa iniciativa que foi o Ciência Viva tenha caído na modorra. Fechou-se em si, não tem representantes da comunidade científica nem do público, não está atenta a grandes problemas contemporâneos. A cultura científica devia ser assunto de políticas públicas em constante actualização. Também nesta área há governantes muito distraídos.
Carlos Fiolhais, professor de Física da Universidade de Coimbra (aposentado)

“Ajuda-nos a discernir melhor o nível de fundamento científico”

Se perguntarmos quais deverão ser os limites à edição genética de seres humanos ou se devemos colocar um travão ao desenvolvimento dos sistemas de inteligência artificial, muitas pessoas terão uma opinião. Mas para se ter uma opinião informada é necessário um conhecimento, ainda que superficial, dos princípios subjacentes a essas tecnologias.

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O bioquímico David Marçal Filipa Fernandez

A divulgação científica ajuda-nos a discernir melhor o nível de fundamento científico de uma determinada ideia, serviço ou produto, quais são as suas limitações, riscos e potenciais. Isso permite a cada um de nós tomar melhores decisões pessoais e assumir posições mais bem fundamentadas no espaço público. E os investigadores científicos, não sendo os únicos com essa responsabilidade, estão numa posição privilegiada para ajudarem na divulgação da ciência.
David Marçal, bioquímico e divulgador de ciência

“Evita perpetuar estereótipos”

A ciência é um processo de construção de conhecimento sobre o mundo que impacta as nossas vidas — em todas as áreas, desde a bioquímica às ciências da educação ou à filosofia, seja através de novos medicamentos ou novas formas de pensar. Comunicar ciência é essencial para dar oportunidade à sociedade fora da comunidade científica de conhecer e participar neste processo.

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A investigadora Mariana Alves Massimo del Prete

Estudos mostram que jovens de comunidades menorizadas, como contextos socioeconómicos mais baixos, ingressam menos em carreiras científicas. A comunicação de ciência pode combater estas tendências e contribuir para que cada pessoa considere que a ciência pode ser para si — como carreira ou como ferramenta para entender o mundo. Para tal, é importante que a comunicação de ciência se baseie em evidências, ou seja, estudos sobre a própria comunicação de ciência, e que seja pluricêntrica e equitativa. É necessário que as instituições desestigmatizem a comunicação de ciência como opção de carreira.

Uma comunicação de ciência honesta e reflexiva evita perpetuar estereótipos e evangelismos de ciência, ao mesmo tempo que contraria silenciamentos — de diferentes tipos de cientistas e conhecimentos (como o conhecimento indígena).

Em Portugal, penso que faltam sobretudo políticas de financiamento para valorizar a comunidade vibrante de comunicação de ciência que efectivamente existe. Gostaria também que as comunidades de comunicação de ciência em língua portuguesa de outros países fossem mais valorizadas e que se praticasse mais a escuta e a reflexividade.
Mariana Alves, investigadora em educação e comunicação de ciência no Centro de Investigação em Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro e co-directora da iniciativa Cartas com Ciência

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