Iremos todos deixar cair a máscara?
Convém continuar atento à mortalidade por covid-19. Nos últimos seis meses, o número de óbitos por covid-19 não acompanhou a evolução favorável dos outros indicadores.
A propósito das máscaras, recordemos o que se passou em 2020, no início da pandemia de covid-19: o seu uso foi tardiamente aconselhado, e de forma pouco assertiva, sem ter sido claramente assumido o valor que possui como barreira física à transmissão do SARS-CoV-2 (e de outros vírus respiratórios), mérito há muito reconhecido em vários países asiáticos.
E apesar de essa utilização ter sido validada cientificamente, o uso rotineiro da máscara foi desde então alvo de contestação e até aproveitamento político (lembremos o posicionamento de Donald Trump nos EUA e dos conservadores no Reino Unido), tendo a sua utilização com caráter obrigatório, em momentos epidemiológicos mais gravosos, sido considerada por outros uma limitação dos direitos e das liberdades individuais.
Desde o seu início que esta pandemia exigiu uma abordagem multidisciplinar que teve de considerar a interação próxima entre o SARS-CoV-2 e o comportamento humano, num contexto social difícil, em que tiveram de ser adotadas medidas de proteção individual e coletiva, nem sempre de fácil aceitação.
A dinâmica da pandemia dependeu muito de comportamentos e interações sociais, que evoluíram ao longo dos últimos três anos; antes de haver testes de diagnóstico fiáveis, vacinas protetoras e medicamentos eficazes, foram as intervenções não farmacológicas (uso de máscara, afastamento físico, higienização das mãos e das superfícies) que travaram a disseminação de um vírus, que parecia imparável…
A evolução do conhecimento relativamente a esta pandemia e ao SARS-CoV-2 obrigou nos últimos anos à mudança frequente de opinião, de parecer, de recomendações, na presunção da sua adequação ao momento, sempre em defesa da saúde pública.
Desde setembro passado que, por determinação da Autoridade de Saúde, a maioria dos casos de covid-19 deixou de ser confirmada e reportada, e desde final de novembro a testagem diagnóstica passou a ser aconselhada apenas às pessoas consideradas mais vulneráveis a esta infeção. Desde setembro deixou de haver informação fiável sobre a disseminação do vírus (a vigilância epidemiológica e genómica ficaram limitadas, comprometidas) e, posteriormente, deixámos de querer saber se a covid-19 continua sequer a ter expressão relevante em Portugal…
É certo que, desde o verão de 2022, esta pandemia tem assumido contornos diferentes, resultado da proteção conferida pelo elevado nível de vacinação (e de infeção prévia) da população portuguesa, sendo menos notório o número de infeções e menos frequentes as formas graves que obrigam a hospitalização.
No entanto, convém continuar atento a um dos indicadores desta pandemia cuja fiabilidade se mantém: a mortalidade por covid-19. E, nos últimos seis meses, o número de óbitos por covid-19 não acompanhou a evolução favorável dos outros indicadores, não sendo ainda percetível uma redução significativa deste parâmetro...
Entretanto, deixou de ser obrigatório o uso de máscara nos estabelecimentos de saúde, nos estabelecimentos residenciais para idosos (ERPI) e nas unidades da Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP).
Concordo que deixe de ser obrigatório o uso generalizado de máscara, mas convém que não haja ambiguidades: deverá continuar a haver uma preocupação maior com os mais idosos, os mais doentes (com diabetes, ou outras doenças crónicas) e aqueles que têm menos defesas contra as infeções, pois são eles que sustentam a mortalidade por covid-19. A vacinação primária e os seus reforços dão-lhes maior proteção contra as formas graves, mas a ocorrência de infeção (isto é, a transmissão do vírus) continua a depender, e muito, do uso de máscara em todas as situações em que haja risco acrescido, como:
– a frequência de locais onde haja maior probabilidade de serem encontradas pessoas igualmente vulneráveis (estabelecimentos de saúde, ERPI, unidades da RNCP), ou
– a frequência de locais fechados, onde haja grande aglomeração de pessoas, o que facilita a transmissão de infeções por via respiratória.
A comunicação desta alteração devia ser clara, objetiva: o uso de máscara deixa de ser obrigatório (para todos!), mas é recomendado para os mais vulneráveis, em situações particulares.
Deverá ainda ser recomendado o seu uso aos profissionais de saúde, no local de trabalho, de forma a reduzir a exposição própria e a transmissão aos mais vulneráveis, quando utentes dos estabelecimentos de saúde.
A pandemia poderá terminar em breve (a OMS irá provavelmente declará-lo durante o mês de abril), mas o SARS-CoV-2 continuará presente na comunidade. Ele não demonstrou ainda o seu caráter sazonal (ao contrário de outros vírus respiratórios, que tendem a desaparecer com a subida da temperatura), tornando provável um número estável, constante, de infeções, que não serão ameaça credível para a comunidade, exceto se ocorrer a emergência de variantes virais que nos surpreendam, pela sua transmissibilidade e pela capacidade de evasão imunológica às atuais vacinas. Estamos menos vigilantes, mas pelo menos estejamos atentos...
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico