O anjo branco

Os mísseis russos poderão cruzar novamente os céus? Não se sabe, mas por enquanto sentimo-nos em segurança.


Dormir num mosteiro não é fácil. O frio vai até aos ossos. A cama é curta e o quarto é modesto. Em contrapartida, reina a calma e a simpatia. A minha cama é mesmo junto a uma janela. Já tentei imaginar como ficaria a minha cara com os estilhaços dos vidros, mas não é necessário fazer “filmes”. Apesar da tensão permanente, a cidade segue o seu ritmo habitual. Os mísseis russos poderão cruzar novamente os céus? Não se sabe. Mas por enquanto sentimo-nos em segurança.

Na sala cheia de santos pregados nas paredes, uma mesa comprida faz adivinhar grandes ceias. A ceia de Cristo e os apóstolos. Ao fundo, uma mesa com um microondas, uma cafeteira eléctrica e pacotes de chá. Ainda é muito cedo. Tão cedo que, a concorrer com o badalar dos sinos, se espalha pelo corredor o ressonar a várias vozes. Agarrado ao computador, vou vendo as fotografias que fiz no dia anterior. São abraços e choros. Risos e melancolia. São mães, avós e tias que têm as suas crianças de volta. Resgatadas da Rússia.

Num quadro de dimensões generosas pintado a óleo de cores pastéis, Cristo dá carinho a seis crianças. Aquela imagem persegue-me. Faço paralelos entre o fotógrafo e o pintor. A tela não tem data nem assinatura. Pouco importa. Entre Cristo moldado a pincel e as crianças moldadas a píxeis, o carinho e o amor são eternos. Será sempre a grande batalha da humanidade. A busca da felicidade.

Lá fora chove. O frio é o grande aliado da minha tosse crónica. A sala está escura. Num passo de magia, uma rapariga magra e bonita, de pijama branco, vem ter comigo. Dá-me comprimidos e chá. Diz que tenho de beber muita água quente para ficar bom. Sorri. Agradeço. Voltou para o seu quarto. Não sei se haverá milagre e a tosse desaparecerá. Tenho dúvidas. Mas não duvido da fraternidade entre humanos. Sempre!

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