As ervas invasoras
No bosque de pinheiros e cogumelos, matou-se e morreu-se tanto durante um mês.
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Aprendemos na escola as batalhas de armaduras e espadachins. De cavalos e caravelas. Das conquistas e das reconquistas. Fomos – nós portugueses – mestres em ficar com a terra dos outros. Já passaram muitos anos e a história transforma quase sempre bárbaros em heróis.
Quase não se fala. Quase não se aprende. Os quadros interactivos das escolas modernas não dão à luz o que foi a guerra em África. O tempo ainda não fez desaparecer as feridas, quanto mais as cicatrizes.
Na Ucrânia, as batalhas sangrentas e inimagináveis sentem-se na rua. Numa praça da capital ou numa aldeia perdida entre buracos de estrada e bunkers. Também há bárbaros transformados em heróis. Recentes. Actuais. Os ucranianos raramente deixam o tempo perdoar.
Nos arredores da majestosa Kiev abundam monumentos aos bravos. Os que morreram a lutar contra a besta. O nazismo. Quase sempre são homens de uniforme e olhar cerrado. As ervas invasoras dominam o chão ou o pedestal. Por vezes um ramo de flores. Ou nada. Só ervas invasoras.
Nunca se esquece. Agora muito menos. Os blocos de cimento, as cruzetas de ferro, os sacos de areia, as bandeiras esfarrapadas azuis e amarelas, outras, vermelhas e pretas, estão agora a um canto das estradas. Também já têm ervas invasoras. Brevemente, novos monumentos se irão erguer. Dos combatentes actuais. Do comandante. Do estratega. Do soldado raso valente. Enquanto isso, vão-se somando as cruzes com rostos jovens. Resta, a quem fica, sonhar que o céu existe.
No bosque de pinheiros e cogumelos, russos e ucranianos travaram uma batalha medieval. Durou um mês. Morreram tantos, meu Deus! A carne é feita da mesma armadura. Os soldados russos acabaram derrotados. Mas haverá vencedores?
Ouço os pássaros. O silêncio. As trincheiras. O lixo deixado para trás. Não há ninguém. Só a minha comoção e as fotografias de jovens sorridentes pregadas nas árvores. Morreram ali. O ódio veio para ficar. O bom estrume para as ervas invasoras.