Klaus Teuber morreu esta semana aos 70 anos. Poucas pessoas fora do passatempo dos jogos de tabuleiro modernos saberão quem foi, mas se dissermos que foi o criador de Settlers of Catan (hoje apenas conhecido por Catan), de súbito o jogo muda. Teuber trabalhou como dentista até 1998, mas desde cedo tinha uma paixão por jogos. Fazia jogos de tabuleiro porque gostava, como hobby.
Entre 1988 e 1995 recebeu por quatro vezes o prestigiado prémio Spiel des Jahres, o prémio que distingue o melhor jogo de tabuleiro publicado na Alemanha e que serve de referência para o resto do mundo. Recebeu a última das distinções com Settlers of Catan em 1995, o jogo que mudou tudo. Existe um antes e um depois de Catan (AC/DC).
Catan revolucionou o mundo dos jogos de tabuleiro. Internacionalizou um tipo de jogo que floresceu nesse país entre os anos 1980 e 90, algo que paralelo ao desenvolvimento dos videojogos. Ao contrário de outros países, na Alemanha a inovação dos jogos de tabuleiro não parou. Continuaram a criar jogos, apostando em jogos de estratégia que podiam ser jogados por toda a família, mas que eram especialmente apreciados por adultos como actividade social. Foi um movimento tão importante que passaram a ser chamados de jogos alemães ou Eurogames.
Um dos grandes contributos de Teuber foi o modo como Catan internacionalizou os Eurogames, tornando os jogos de massas como Monopoly e afins perto de serem obsoletos, tal era a novidade. Estratégia, progressão, alguma incerteza e tempos de jogo controláveis, em que se evitava a eliminação de jogadores e por vezes até se estabeleciam verdadeiros processos colaborativos, mudaram o panorama dos jogos de tabuleiro. Catan, com as suas infindáveis variantes e expansões, vendeu milhões de jogos por todo mundo, tendo permitido que Teuber deixasse a carreira de dentista. Primeiro, o jogo espalhou-se através das comunidades académicas e centro tecnológicos, depois disseminou-se por todo o lado.
Catan gera experiências de negociação, progressão, permite definir estratégias e tem uma "rejogabilidade" quase infinita porque o mapa muda, os dados definem os recursos disponíveis e o comportamento dos jogadores transforma as partidas. Os jogadores no centro dos jogos de tabuleiro é algo que caracteriza os novos jogos de tabuleiro, já dizia o famoso historiador de jogos David Parlett, por isso são cada vez mais populares. Acima de tudo importam as pessoas, o modo como interagem entre si e com o jogo, e as experiências que sentem ao jogar. Daí os jogos de tabuleiro serem cada vez mais populares nesta nossa era digital onde por vezes nos faltam as interacções humanas geradoras de empatia e bem-estar.
Catan continua a ser o jogo de hobby (ou jogo de tabuleiro moderno) que a esmagadora maioria das pessoas conhece. Foi assim que comecei também, quando na loja onde jogava Magic: The Gathering (MTG) lá apareceu aquela caixa vermelha com um sol amarelo e uma cidade em contraluz. Jogávamos Settlers of Catan entre os intervalos das partidas de MTG, algures nos finais dos anos 1990.
Depois, fui-me afastando do jogo, tal como acontece quase sempre com quem entra no hobby dos jogos de tabuleiro modernos, porque vamos querer experimentar coisas novas, porque a inovação é constante e cada dia que passa surge um novo e maravilhoso jogo que temos de explorar. Mas Catan lá continua sempre na nossa memória, e mesmo que não o joguemos, é sempre um dos jogos que recomendamos a quem se quer iniciar neste mundo dos jogos analógicos, até porque tem algumas parecenças com os jogos mais convencionais. Lançamos dados, mas eles não determinam a nossa jogada. Em Catan eles definem apenas a geração de recursos que depois os jogadores negoceiam e juntam para construir mais e mais. As decisões e os acordos importam.
Catan é tão influente que podemos ter de fazer uma partida quando entramos em algumas empresas. Faz parte da cultura e pode ser um modo de avaliar personalidades. Catan aparece em séries de televisão populares como The Big Bang Theory. Neste momento, Catan faz parte da cultura popular. Klaus Teuber é o exemplo do criador que transformou uma paixão em profissão, algo que hoje tantas pessoas aspiram. Todos querem fazer o próximo Catan.
Numa perspectiva totalmente diferente, o jogo também foi criticado, quando alguns viram na exploração da ilha da Catan o processo colonialista europeu, de ocupação de territórios e exploração dos seus recursos, ignorando os nativos. São interpretações contemporâneas, exagerados ou não, mas que revelam a importância do jogo. Sabemos que essa não era a intenção de Teuber, pois tudo leva a crer que estivesse a pensar nas colonizações vikings de locais como a Islândia, uma ilha inabitada onde lutar contra os elementos naturais era o principal desafio.
Mas o jogo como media e objecto é um poderoso meio de transmissão de ideias e valores. Catan provou isso, e hoje questiona-se como nunca os valores que transmitem os jogos, assumindo-se o lado sério de criar e usar os jogos como ferramentas directas ou indirectas de propagação cultural, ideologias e valores.
Desapareceu Teuber, mas ficou a obra, a inspiração e a certeza que é possível fazer algo lúdico que pode ter um impacto positivo no mundo.