Ministro da Saúde quer mudar forma de acesso às urgências até ao Verão

Manuel Pizarro quer dar resposta alternativa aos doentes com pulseiras verdes e azuis. Mas não está em cima da mesa um modelo que só permita o acesso através de um sistema de referenciação.

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O ministro da saúde rejeita a ideia de vedar o acesso às urgências através da referenciação de doentes LUSA/JOSÉ COELHO

O ministro da Saúde espera ter implementado no Verão um novo modelo de referenciação às urgências para os doentes que são triados com pulseiras verdes e azuis, garantindo-lhes uma resposta alternativa no hospital ou no centro de saúde. Mas não está em cima da mesa um modelo que só permita o acesso às urgências através de um sistema de referenciação, como foi sugerido por muitos profissionais de saúde no SNS Summit, um encontro promovido pela Direcção Executiva do SNS para debater os problemas e possíveis soluções das urgências hospitalares.

“O que queremos é encontrar um modelo de resposta que seja seguro e que seja efectivo para que essas pessoas que não tinham razão clínica para ir à urgência possam ser tratadas. Vai haver alteração da referenciação, mas tem de ser feito com segurança porque os mecanismos alternativos têm de estar prontos a funcionar para garantirmos que essas mudanças ocorrem sem causar intranquilidade nas pessoas”, afirmou o ministro no final do encontro que se realizou esta quinta-feira no Hospital de Santa Maria.

O ministro disse esperar que o novo modelo de referenciação possa estar em funcionamento no próximo Verão. "Não sei se será possível em todas as zonas do país, em todas as urgências, mas em algumas delas estou convencido que será possível organizar esse sistema. É um trabalho que a DE-SNS está a fazer e tem de ser feito com muita segurança."

Para muitos dos participantes, o acesso às urgências deveria ser apenas por referenciação do INEM, da linha SNS 24 ou por outros profissionais de saúde, como médicos de família nos centros de saúde. Para o ministro é seguro que haverá uma revisão da referenciação, mas não num modelo tão “sofisticado”. “Talvez se possa lá chegar um dia, mas isso é um processo muito lento. Não imagino que em Portugal seja possível, no médio prazo, atingir um sistema tão sofisticado.”

“Mas acho que o que é possível fazer é criar alternativas para que as pessoas, que não têm uma situação de urgência, possam ser vistas naquelas horas ou nas horas imediatas, num sítio no próprio hospital, numa consulta, no centro de saúde”, afirmou Manuel Pizarro. “O mecanismo tem de ser trabalhado e pode não ser completamente igual em todos os hospitais. O que vai acontecer é que os doentes que cheguem ao hospital e se verifique que a situação não é de gravidade que justifique a utilização da urgência, serão conduzidos ou a uma consulta aberta no próprio hospital ou a uma consulta nos cuidados de saúde primários”, acrescentou.

Uma solução parecida à Via Verde Aces, em que aos doentes com pulseira verde ou azul era sugerido o encaminhamento para o centro de saúde com uma consulta marcada para o dia ou no prazo máximo de 24 horas e quem nem todos os utentes aceitaram. Ainda sem dados completos para fazer um balanço das várias medidas implementadas, Pizarro adiantou que em alguns fins-de-semana tiveram mais de 220 centros de saúde abertos e “esses centros de saúde tiveram, em alguns momentos, uma procura significativa, cerca de seis mil pessoas”.

“O número de pessoas que foi a cada um dos centros de saúde pode não ser muito grande, mas é uma componente significativa de procura que permitiu aliviar os hospitais. Vamos continuar a trabalhar nessa matéria, porque não é imaginável que ao fim de décadas de o país sofrer de uma doença crónica de procura excessiva dos serviços de urgência que isto se possa resolver com duas ou três medidas no imediato”, disse, referindo que esta matéria “exige um trabalho continuado”.

O que o Ministro da Saúde quer implementar são equipas dedicadas nas urgências, com horários mais flexíveis e mais bem pagas. “Há uma coisa que vamos avançar, sem dúvida nenhuma, que é com a criação de equipas dedicadas ao serviço de urgência, pelo menos nas urgências com maior volume de procura”, disse, referindo que contarão com “profissionais com várias especialidades e com uma especialização secundária em serviço e urgência – especialização não no sentido formal, mas com treino de realização de urgência”. “A actividade do serviço de urgência é especialmente exigente para os profissionais e tem de ter mecanismos de compensação em matéria remuneratória e em matéria de flexibilidade de horário laboral.”

“Isso faz parte da negociação que estamos a fazer com as estruturas sindicais”, disse, mas sem adiantar até que valor poderá chegar o Ministério da Saúde em termos financeiros. Quanto a uma possível criação da especialidade de medicina de urgência, Manuel Pizarro disse que o tema “não teve ainda uma ponderação definitiva” por parte do ministério.

Experiências no terreno

Para Vasco Firmino, director da urgência básica e geral do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo (CHBM), a criação de equipas fixas na urgência “é um tema muito importante” e que está em discussão no seu centro hospitalar. “Tendo em conta o que vivemos, é uma das principais soluções a meu ver, com pessoal dedicado com o perfil para fazer urgência, que gosta de fazer urgência.”

Na urgência que lidera, cerca de 55% dos doentes são triados com pulseiras verdes e azuis. Para estes, o centro hospitalar criou uma solução interna que passa por um posto de triagem médico para atender estes doentes com situações agudas sem gravidade. “Isto fez com que o tempo de permanência de azuis e verdes baixasse em 50%. O tempo médio de atendimento para essa tipologia de doentes rondava as três horas. Actualmente, estamos com 1h45 de espera”, disse.

Além da diminuição do tempo de resposta, há também uma diminuição no tempo de permanência no hospital – por serem casos sem gravidade, com a observação médica adequada evitam-se exames e análises desnecessários -, da taxa de abandono e um aumento da taxa de satisfação, apontou o médico, referindo que esta foi uma medida provisória para fazer face ao problema que tinham.

Quanto à Via Verde Aces, que está em vigor há um mês, explica que aos doentes com pulseiras verdes e azuis é-lhes proposta uma vaga para consulta no dia ou no prazo máximo de 24 horas no centro de saúde. “Há aqui um factor limitante muito marcado que é o consentimento do próprio. Temos na nossa urgência um acesso diário a 27 vagas dentro das unidades do Aces Arco Ribeirinho. Seguramente que teríamos uma pool de doentes para ocupar estas vagas diariamente. O que acontece é que nem todas são ocupadas por dois motivos: porque há doentes que não cumprem os critérios para essa referenciação ou por recusa [do doente].”

Entre os motivos de recusa estão o facto de “já estarem numa instituição de saúde e não terem vontade de se deslocarem para outra e a questão da realização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica [MCDT]”. “Muitas das pessoas pensam que o seu quadro clínico requer a realização de MCDT”, o que muitas vezes não é necessário.

“Se pela estratificação do risco, que é o que a triagem de Manchester faz, não há risco de situação de doença aguda, o doente pode e deve ir fazer uma primeira avaliação nos cuidados de saúde primários. E se se justificar, derivar novamente aos cuidados hospitalares. Regra geral, o que acontece é que dos doentes que vão ao centro de saúde, uma percentagem muito reduzida, talvez menos de 1%, tem necessidade de vir novamente ao hospital”, refere Vasco Firmino.

Também o Agrupamento de Centros de Saúde Almada-Seixal participa na Via Verde Aces, desde Junho de 2021, disponibilizando 50 vagas diárias nos centros de saúde para doentes encaminhados pelo Hospital Garcia de Orta. “O doente saiu da sua casa para um serviço de urgência com a expectativa de ser atendido ali. E é difícil que estando já num serviço de urgência, aceite ser observado num outro nível de cuidados. Nós recebemos entre seis a dez pessoas por dia vindas do serviço de urgência”, disse Alexandre Tomás, director executivo, que considera que o encaminhamento para a urgência deve ser feito por referenciação do INEM, SNS 24 ou pela equipa de saúde familiar.

Uma opinião partilhada pela presidente do conselho clínico Anabela Ribeiro. “Só assim conseguimos controlar esta procura aguda de serviços”, disse, referindo que na primeira fase do projecto Via Verde Aces fizeram uma análise dos doentes que lhes chegaram encaminhados pelo hospital. “Cerca de 95% daqueles utentes não precisava de uma urgência hospitalar, não precisava de consulta de doença aguda no seu médico [de família], precisava de uma consulta tranquilamente marcada.”

“Vivemos agora uma grande janela de oportunidade. Estamos a evoluir para uma Unidade Local de Saúde com o Hospital Garcia da Orta e um dos nossos projectos de intervenção é este”, referiu.

Neste Aces funciona uma outra via verde, mas esta para dar resposta aos utentes sem equipa de saúde familiar atribuída, que são cerca de 60 mil e representam cerca de 15% do total de utentes inscritos no Aces. As Via Verde Saúde Seixal e Almada permitem que os utentes sem médico atribuído possam fazer a marcação de uma consulta por telefone e serem atendidos no mesmo dia ou no seguinte. “Este projecto está centrado na qualificação da resposta”, salientou Alexandre Tomás, acrescentando que desta forma evitam-se idas de madrugada para a porta dos centros de saúde sem garantia de resposta.

E quem vê estes doentes? Profissionais do próprio Aces. “Duas coordenadoras médicas e duas coordenadoras de enfermagem, que estão a fazer toda a diferença nesta equipa, internos da especialidade, médicos reformados e profissionais das unidades de saúde familiar”, adiantou Anabela Ribeiro.

“Não sendo a resposta perfeita que gostaríamos de dar aos utentes, é pelo menos uma resposta diferenciada naquilo que são as principais áreas de intervenção. Concretamente, resposta à doença crónica, vigilância das grávidas e das crianças e resposta na doença aguda”, salientou a presidente do conselho clínico.

No âmbito saúde materna e infantil, o modelo é de vigilância partilhada. “É uma questão de rentabilizar os recursos que temos. Ao termos uma vigilância partilhada, não estamos a por dois profissionais a atender o mesmo utente. Se o enfermeiro faz a consulta de saúde materna, o médico já não vai fazer aquela consulta. Isto não quer dizer que durante a gravidez, a mulher não vai ter a consulta médica que é necessária por causa da prescrição de exames e terapêuticas”, explicou Susana Santos, enfermeira vogal do conselho clínico.

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