Por engano, entrou no Tesla de um estranho. E a aplicação deixou-o conduzir o carro

Um canadiano entrou no automóvel errado, mas só quando recebeu uma mensagem do proprietário do veículo que dirigia se apercebeu da troca. O software da Tesla não deu por nada.

Foto
A Tesla tem estado sob escrutínio por várias falhas técnicas Reuters/POOL

Rajesh Randev estava a conduzir há cerca de 15 minutos quando reparou que algo estava errado: havia uma pequena racha no seu pára-brisas na qual nunca tinha reparado. Procurou o cabo para carregar o telefone, que estava sempre na consola central, e não o encontrou. Depois, o seu telefone começou a zumbir.

Randev encostou e leu as mensagens. Um número desconhecido tinha-lhe escrito: “Conduz um Tesla?” Randev conduzia — até estava sentado no que achava ser o seu Model 3 branco. Perguntou quem lhe estava a enviar mensagens. A resposta: “Acho que está a conduzir o carro errado.”

Só então é que Randev se apercebeu que tinha feito parte de uma confusão alarmante. O seu carro era um dos dois Tesla brancos estacionados, um ao lado do outro, numa rua de Vancouver, Canadá, e, com pressa de ir buscar os seus filhos à escola, tinha entrado no carro errado. De alguma forma, a sua aplicação da Tesla destrancou o carro de um desconhecido — e permitiu-lhe seguir viagem.

O contratempo de 7 de Março chocou Randev, um consultor de imigração de 51 anos de idade, que disse estar agora preocupado com a segurança do seu próprio Tesla. Contou a sua história à Global News na semana passada, quando não recebeu resposta após relatar o incidente à Tesla, relatou.

“É uma tecnologia tão cara”, disse Randev ao The Washington Post. “Mais de 70 mil dólares para comprar este carro. E a minha família não se está a sentir segura neste momento.”

A Tesla não respondeu a um pedido de esclarecimento.

Randev comprou o Tesla no ano passado e disse ter apreciado as suas características de alta tecnologia, incluindo a capacidade de usar a sua aplicação telefónica como chave. O Tesla Model 3 pode ser destrancado recorrendo a um smartphone autenticado, a um cartão chave ou a um controlo, de acordo com o website da Tesla.

Na semana passada, Randev regressava de um restaurante. Outro Model 3 branco estava estacionado ao lado do seu, e não notou nada de errado quando se encaminhou para o automóvel que não era dele. Abriu a porta e arrancou. O processo decorre normalmente sem problemas, disse Randev, pois o seu carro destranca automaticamente as portas e permite a condução quando detecta o telefone.

Mahmoud Esaeyh, proprietário do Tesla que Randev conduziu, estava em casa na altura. Tinha emprestado o seu carro ao seu irmão Mohammed, que o estava a usar para fazer um recado. Quando Mohammed regressou ao local onde tinha estacionado, reparou que o Tesla restante tinha um interior diferente e que não era o de Mahmoud. Telefonou ao irmão que, através da app, conseguiu localizar o carro que estava a ser conduzido por Randev. Mas quando tentou bloquear remotamente o Tesla do seu telefone, o sistema falhou.

Mohammed conseguiu aceder ao carro de Randev utilizando o cartão-chave de Mahmoud. Encontrou documentos médicos com o seu número de telefone e Mahmoud telefonou a Randev para explicar a confusão. Ambos ficaram atónitos ao perceberem que podiam aceder ao carro um do outro.

“Eu estava tipo, 'O que poderia acontecer?'”, disse Mahmoud, um motorista Uber de 32 anos que transporta passageiros no seu Tesla. "Imagine se [Randev] tivesse tido um acidente.”

Randev, ainda pressionado pelo tempo, pediu permissão a Mahmoud para usar o seu carro para ir buscar os seus filhos à escola. Deixou-os em casa e depois voltou para o restaurante, onde o seu Tesla estava estacionado — cerca de uma hora e meia de condução em Vancouver. Durante esse tempo, não teve quaisquer problemas no acesso ao carro de Mahmoud usando a sua aplicação telefónica. No exterior do restaurante, o homem filmou os dois carros, relatando o problema.

Randev encontrou-se com Mohammed durante a troca de carros e os dois partilharam gargalhadas sobre a estranha situação.

“Meu amigo, conseguiu conduzir o meu carro?”, brincou Randev. “Sim, foi muito divertido”, respondeu Mohammed.

Os filhos de Randev também se riram quando ele lhes explicou a situação, mas Randev disse mais tarde que a facilidade com que ele podia saltar para o Tesla de um estranho o deixou e à sua mulher agitados. “Se uma pessoa normal conseguiu ter acesso [ao carro de outra pessoa] devido a um mau funcionamento ou software ou qualquer outra razão... os hackers podem fazer qualquer coisa, certo?”, disse Randev.

Tesla sob escrutínio

Randev relatou o incidente à polícia de Vancouver, mas foi-lhe dito que os agentes não receberiam a queixa a menos que houvesse mais problemas. A polícia de Vancouver disse que não foi gerada nenhuma denúncia.

Randev também enviou as imagens de vídeo e uma descrição do aparente mau funcionamento para o e-mail de imprensa da Tesla nessa mesma noite. Na mensagem, que partilhou com The Post, escreveu que não queria “afectar a reputação da empresa”, colocando o vídeo nas redes sociais ou informando os repórteres antes de procurar uma resposta do fabricante.

Mas os e-mails de Randev foram devolvidos, disse. Ele recebeu uma resposta da conta de imprensa da Tesla que dizia que a caixa de correio estava cheia. O homem tentou enviar a mensagem à conta de imprensa da Tesla na China e recebeu uma resposta que dizia que a sua mensagem tinha sido bloqueada.

“É muito frustrante”, disse Randev, que até twitou a Elon Musk.

A Tesla tem estado sob escrutínio por outras falhas técnicas. A Administração Nacional de Segurança Rodoviária dos EUA (NHTSA, na sigla original) está a investigar o sistema Autopilot e os relatórios de queda dos volantes dos SUV, anunciou em Março. Em Fevereiro, a Tesla chamou aos concessionários mais de 362.000 veículos por causa de riscos de colisão associados ao software de condução autónoma. O Post relatou anteriormente uma vaga de queixas de “travagens fantasma”. Em 2021, a NHTSA considerou, mas acabou por negar uma petição de 2019 para investigar a Tesla por alegados defeitos de bateria entre relatos de veículos em chamas.

Randev disse que não tinha ouvido falar muito sobre outros incidentes com automóveis da marca de Musk. Ele e Mahmoud Esaeyh disseram que planeiam ficar com os seus carros, notando quanto dinheiro poupam em gasolina. Mas continuam inseguros devido ao mau funcionamento da semana passada — e ao silêncio de Tesla.

“Não posso deitar fora o carro porque não me sinto seguro com ele”, disse Esaeyh. “Mas, para ser honesto, às vezes é um pouco assustador. Receio que essa coisa [de ter um estranho a conduzir o meu carro] possa voltar a acontecer.”


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Carla B. Ribeiro

Sugerir correcção
Ler 4 comentários