Com os refugiados não devíamos perder a oportunidade de fazer melhor e diferente

Será o número de refugiados o suficiente para que a exigência de um excelente desempenho e do desenvolvimento em áreas específicas seja suficiente para mudar os nossos padrões de desempenho?

Foto
Criancas ucranianas no Centro Infantil Vinochok, no sabado de Carnaval, em actividades organizadas pelo núcleo do Porto da Associação dos Ucranianos de Portugal Manuel Roberto/Arquivo

Já fez um ano que a guerra na Ucrânia começou. Há um ano, estávamos à procura de tudo, e todos nos envolvemos em situações de colaboração e de prestação de algum tipo de apoio aos refugiados que chegavam ou que “era preciso” ir buscar. Os professores de Português disponibilizavam os seus serviços para que a língua não fosse mais uma barreira; psicólogos e técnicos de acção social estavam na linha da frente.

Passado um ano, já a maioria de nós ouve as notícias da guerra com relativa despreocupação e este tema já não abre telejornais. Entrámos na banalização das notícias sobre a guerra, nos avanços e recuos de ucranianos e russos, mais a posição da Europa e dos Estados Unidos, da China e da Turquia.

Com as famílias refugiadas que acolhemos naquela altura e com mais alguns deslocados russos que vão chegando, como temos conseguido acolher as crianças em idade escolar e os adultos que vêm com estas crianças? Como têm conseguido as escolas e a sociedade em geral integrar estas pessoas?

Algumas crianças estão na escola pública, outras na privada e outras com programas do seu país de origem em aulas online. As crianças adaptam-se com relativa facilidade e mesmo quando nem sequer o inglês é uma língua comum, outro tipo de linguagem surge até a comunicação conseguir estabelecer um código de referência. Essa linguagem pode ser outra língua, uma pessoa que sirva de interlocutor, um código misturado de outra língua, gestos e tudo o mais que se conseguir.

Naquela altura, vinham por uns meses; nesta altura, esse horizonte temporal alargou-se e não há prazo definido para voltar.

A aculturação acontece, a integração faz-se todos os dias, o desespero acomodou-se e aquilo que iria servir deixou de acontecer, para voltar a haver ambição e padrões valorativos.

Quero dizer com isto, que em termos de educação os países do Leste da Europa têm um padrão de elevada exigência. Para aqueles que vieram e estão a querer reconstruir a vida, numa perspectiva de futuro e de continuidade, importam determinados requisitos e padrões de qualidade, onde não é menos importante a religião.

Assim, para alguns, a nossa escola pública, com as sucessivas greves e tempos de inoperacionalidade, não serve. A inexistência no currículo de ensino da música de forma exigente e progressiva pode ser colmatada com a frequência de uma escola de música propriamente dita, com clara evidência para a aprendizagem de pelo menos um instrumento.

O sentido de urgência dos primeiros tempos de guerra, nas várias vertentes, já não se faz sentir. Recebemos refugiados e deslocados, prestámos acolhimento e disponibilizámos serviços. Na educação, tal como em outros domínios, a abertura a novas culturas faz com que também a nossa se enriqueça com as diferenças que para quem chega são as mais importantes e necessárias encontrar e, para nós, quem recebe, são demandas a prestar.

Quando as necessidades destas pessoas são implementadas, passamos todos a usufruir das mesmas. Será o número de refugiados e deslocados de guerra grande o suficiente para que a exigência de um excelente desempenho e do desenvolvimento em áreas específicas seja suficiente para mudar os nossos padrões habituais de desempenho?

Não há sinais de que estejamos a ter este sentido de exigência com a aprendizagem e mais ainda com a aprendizagem integral, ou seja, o mais completa possível. Todos os que frequentam a escola pública percebem que a prioridade tem sido a luta pela carreira docente, com a associação também dos não docentes.

O embate de dois anos de pandemia e com mais um ano de luta que se concretiza em greves sucessivas tem um impacto muito significativo no ensino e muito na aprendizagem e no bom desempenho dos alunos.

Aquilo para o qual todos nos esforçámos no início da guerra, como sendo passageiro e que se tem vindo a passar cada vez mais como definitivo, não tem havido tempo nem disponibilidade para observar, pensar, reflectir e fazer impactar no nosso sistema de ensino aquilo que de bom podíamos aprender com estas pessoas que acolhemos e temos vindo a acolher.

Parece que a oportunidade de fazer evoluir o nosso sistema de forma mais exigente e capaz, no momento de saída da escolaridade, está a escorregar por entre os dedos, pela banalização da situação de guerra na Ucrânia e pelo foco nas reivindicações sobre e para a carreira docente. Haja oportunidades!

Sugerir correcção
Comentar