A mordaça
A estrada aberta de limitação e de controle externo da ação da Ordem dos Advogados mereceu uma reação tíbia por parte dos seus novos dirigentes, que se encontram a refletir sobre o assunto.
Em quase um século de existência a Ordem dos Advogados foi sempre uma entidade pública dotada de poderes próprios e independente de quaisquer órgãos do Estado, atuando de forma livre e autónoma em representação de uma classe profissional, mas tendo como atribuição primordial a defesa do Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, colaborando na boa administração da justiça.
Foi assim no correr do tempo passando pelo regime ditatorial do Estado Novo, pelos excessos revolucionários decorrentes do pós-25 de abril e na plenitude da vigência do regime democrático, simbolizando sempre uma instituição interlocutora e crítica do cidadão perante o poder.
Foi....
A Ordem dos Advogados no desempenho da sua missão nunca teve por hábito querer agradar aos poderes instalados, o seu representante máximo é na maioria das vezes uma voz incómoda e de denúncia do que se encontra mal na existência do país e da sociedade em que vivemos.
As intervenções dos bastonários António Pires de Lima, António Marinho e Pinto ou Luís Menezes Leitão, apenas para nomear alguns, foram ouvidas e representavam o protesto quando era necessário, sendo em simultâneo uma mais-valia que fazia parte da solução dos casos denunciados através de todos os meios legais possíveis ao seu alcance.
Era esse e é esse o papel da Ordem dos Advogados na sociedade portuguesa.
Era…
Por estes dias o Tribunal Constitucional validou a nova lei das associações públicas profissionais.
Para trás ficou todo um trabalho da Ordem dos Advogados, junto dos grupos parlamentares, dos órgãos de comunicação social, dos diferentes fóruns de debate, com o qual quem representava a classe no último triénio lutou pela sobrevivência de uma instituição livre e independente.
Nas últimas eleições para a direção da Ordem dos Advogados verificou-se a passagem à segunda volta da disputa eleitoral das posturas mais extremistas, perdendo-se o tempo da razão.
Para a linha vencedora da atual bastonária este é um tema que até merecia a sua concordância em termos gerais e nem sequer tecia grandes críticas à influência externa na atividade da Ordem dos Advogados.
Estamos confrontados com uma ingerência sem precedentes na Ordem dos Advogados, passando de uma tutela formal de legalidade como sempre existiu da parte do Ministério da Justiça para uma supervisão da sua atividade que, na prática, passa a estar centrada quase exclusivamente na representação dos seus associados.
Os advogados são a única profissão liberal integrante de um órgão de soberania e com reconhecimento constitucional tal é a sua relevância enquanto eixo fundamental e imprescindível na administração da justiça e querer privar a sua Ordem da sua ação de defesa do interesse público, da sua liberdade e autonomia, é uma machadada nos direitos, liberdades e garantias de cada cidadão e da sociedade no seu todo.
Os membros de órgãos dirigentes da Ordem dos Advogados são eleitos pelos seus pares, exercendo as suas funções de forma voluntária, independente e imune a eventuais pressões sobre a sua atividade. Agora vai permitir-se a não eleição direta de membros que passam a ter funções de supervisão e de aferição de legalidade da atividade da Ordem dos Advogados, atentando-se, assim, contra a formação democrática dos órgãos associativos que pressupõe uma eleição dos titulares dos cargos.
Esta estrada aberta de limitação e de controle externo da ação da Ordem dos Advogados mereceu uma reação tíbia por parte dos seus dirigentes que se encontram a refletir sobre o assunto.
Percebemos agora a premonição sugerida pelo acessório de imagem que a atual bastonária se orgulha tanto em exibir: não é um lenço…Infelizmente, é uma mordaça!