É com uma coluna de som na mão e um boné na noutra que John Carlos começa mais um dia de trabalho. São quase 10h30 e faltam três minutos para o metro chegar à estação do Jardim do Morro, em Gaia. Enquanto o artista brasileiro se afasta para ter uns minutos de silêncio, Flizzi (Flávio da Costa) e Rickas (Pedro Riquito), os outros dois membros do Coletivo dos Trilhos Para o Mundo, afastam-se e deixam-no concentrar-se.
“Para todos os presentes/ uma boa viagem/ Primeiramente licença/ para chegar à carruagem”, arranca John, assim que entra no metro em direcção ao Porto. Mal começa, alguns descolam o olhar do telemóvel a tentar perceber a origem do aparato e outros deixam conversas a meio para ouvir as rimas do grupo que vai avançando pelas várias carruagens.
“O amigo caprichou no disfarçado/ está tirando cabelo em cima e deixando só dos lados”, atira mais à frente o rapper de 33 anos. Sentado numa das cadeiras, o homem com cerca de 70 anos ri e concorda.
O regresso da chuva também serve para uma nova rima, as gargalhadas de uma mulher acompanham o rap e a timidez de um jovem que finge estar a ouvir outra música é a forma perfeita para acabar o espectáculo.
O Coletivo existe no Porto há pouco mais de mês, mas no Brasil já "é um grupo conhecido", do qual fazem parte vários músicos que, tal como John, se juntavam a rimar no centro comercial Galeria do Rock, em São Paulo. Empurrado pelos amigos, este músico começou a fazer rimas no Metro de São Paulo, ao ponto de ser, por opção, o único trabalho que tinha.
“Vivia bem com as gorjetas”, assume, mas a vontade de fazer o mesmo no metro de outros países falou mais alto e, no Verão do ano passado, decidiu arriscar. “Quando comecei a rimar no metro eu já tinha decidido que ia onde houvesse um. Fui para o Rio de Janeiro, Portalegre, Bahia, fui para montes de lugares, e já tinha vontade de saber como era rimar nos metros da Europa”, conta ao P3.
No Metro do Porto, viaja pelas linhas da Trindade até à estação do Senhor de Matosinhos, do Jardim do Morro até João de Deus, ou por zonas mais movimentadas como a Casa da Música, Viso ou Senhora da Hora. Aos poucos, o grupo vai-se tornando tão conhecido como quando John estava no Rio de Janeiro e recebia mensagens dos passageiros nas redes sociais, nos dias em que não aparecia nas carruagens.
A voz feminina do metro avisa que estamos quase a chegar à estação da Trindade e, por isso, está na hora de o grupo passar o boné para quem quiser contribuir. John agradeceu pelo menos sete vezes, mas contribuir só com palmas também o deixa contente. Gustavo Borges, outro dos membros do Coletivo, não se juntou ao grupo porque tinha aulas e Flizzi e Rickas decidem que vão rimar em dupla, na próxima viagem até Francos.
Rimas sem autorização da Metro do Porto
Até agora, o Coletivo assegura que nunca teve problemas com os passageiros e que pediu autorização à Metro do Porto para actuar e fazer os peditórios, mas acrescenta que a mesma foi negada.
Contactada pelo P3, a empresa confirma esta versão. O pedido foi recusado, “uma vez que punha em causa o pressuposto básico de conforto e tranquilidade dos clientes no interior dos veículos, consagrado nas Condições Gerais de Transporte”, explica.
A Metro do Porto diz ainda que recebeu quatro queixas directas, mas também há quem manifeste o desagrado aos seguranças dos veículos por causa do ruído ou do peditório. Atrás de Flizzi, encostado a uma das portas do metro, lê-se que é proibido pôr música alto.
Nesta segunda viagem até Francos, Flizzi e Rickas entram num duelo de rimas e despertam sorrisos dos passageiros que encontram. Há uma mensagem para o casal que se levantou para sair e até um elogio para uma mulher que já preparou a moeda. “Eu só tenho a agradecer por a senhora ajudar/ porque estas moedinhas são o que ajudam a rimar/ São as moedinhas e os sorrisos do povo/ a senhora deu os dois e eu estou agradecido em dobro”, termina Rickas, enquanto estende o boné.
Chegados à paragem, John volta a "picar" o passe na máquina e, enquanto esperam pelo próximo metro, os dois amigos dividem o dinheiro que amealharam.
Um trabalho
Flizzi e Rickas conheceram o Coletivo "por acaso", quando viram John a rimar numa das viagens de metro. Os poucos minutos da viagem foram suficientes para quererem juntar-se. Já gostavam de rap e Flizzi até participava em batalhas de improviso. Além disso, como tinha ficado desempregado há pouco tempo, viu aqui “uma boa oportunidade para ganhar dinheiro”, explica o rapper de 22 anos.
John não esconde que actuar no metro tem dado resultado. “Com as gorjetas consigo pagar a renda e a pensão [de alimentos] dos meus filhos”, adianta o músico, que também tem sido contratado para animar festas, trabalho encarado como uma preparação para os espectáculos que sonha um dia dar pelo mundo.
Pedro Riquito, de 20 anos, a viver em Espinho, percebeu que com as rimas conseguia ganhar o ordenado mínimo nacional, neste momento, 760 euros, e decidiu despedir-se da fábrica de produção de peças para agricultura onde trabalhava. No final de contas, ganhava o mesmo. “Dava-me bem com o trabalho, mas o ambiente de fábrica, entre os funcionários, era um pouco tóxico. Os mais velhos não eram muito simpáticos com os mais novos. Gostava de ser operário de máquinas, mas não era o que eu queria fazer para o resto da vida”, conta.
Apesar de rimar no metro "ser um trabalho incerto que depende da boa vontade das pessoas", acredita que tomou a decisão certa. Ainda assim, acrescenta, trabalhar mais horas é uma das desvantagens e perder a segurança de um salário certo também. "Há dias em que posso estar quatro horas e fazer os 30 euros diários que ganha uma pessoa com o ordenado mínimo, e outros em que estou 12 horas no metro e não [o] consigo.”
Para o grupo, o objectivo do Coletivo é ser uma rampa de lançamento para uma carreira a solo e um apoio para rappers que queiram começar nesta arte. Tupac e Eminem, bem como Sam the Kid, T-Rex, Slow J e Nerve são algumas das referências destes artistas, que sonham encher recintos de festivais e, principalmente, o Hard Cub.
Mas, quando esse dia chegar, garantem, vamos continuar a vê-los pelo metro do Porto. “Para mim, actuar no metro é mostrar que não me esqueci de onde vim”, conclui John Carlos.