Bispos vão analisar lista de padres abusadores “nome a nome”, mas não garantem afastamento
Presidente da CEP escuda-se na dificuldade em reunir os elementos necessários para aferir a veracidade das acusações. Igreja garante apoio psicológico e memorial, mas não indemnizações.
Nem afastamento imediato dos padres abusadores e dos bispos que os tenham encoberto nem predisposição para indemnizar financeiramente as vítimas. A conferência de imprensa desta sexta-feira ia a pouco mais de meio e já o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) estava a ser chamado a reagir à desilusão de quem viu na reacção da Igreja aos abusos sexuais “uma mão cheia de nada”. “Para nós, não é uma mão cheia de nada. Para nós, é uma mão que vai cheia de compromissos”, defendeu-se D. José Ornelas, para sustentar que há decisões que precisam de “outros interlocutores para serem concretizadas”, logo terão de ficar para segundas núpcias.
Feito o anúncio de que vai ser criada uma comissão para dar continuidade ao trabalho da equipa liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht (que estimou em perto de cinco mil as crianças abusadas dentro da Igreja desde 1950 até à actualidade) e de que a Igreja vai erguer um memorial às vítimas (eventualmente da autoria do arquitecto Siza Vieira), as atenções de todos centraram-se no que a Igreja pretende fazer com a lista contendo os nomes dos alegados abusadores que continuam activos. Mas também aqui a ordem é para aguardar que sejam apuradas culpabilidades.
“Nós vamos analisar nome a nome. Mas, dentro de cada diocese, é cada bispo que tem de ver, à luz do direito civil e do direito canónico, quais as medidas apropriadas a tomar”, explicou o representante dos bispos, repetindo que a lista recebida poucas horas antes não passa disso mesmo: uma lista de nomes. “Sendo uma lista de nomes, sem outra caracterização, torna-se difícil. Daí essa investigação exigir redobrados esforços”, explicou, admitindo que tais pessoas possam ser suspensas preventivamente de funções “se houver plausibilidade quanto ao perigo no contacto com outras pessoas e quanto à persistência de eventuais delitos”. O mesmo se pode dizer relativamente ao risco de destruição de provas.
Questionado sobre se receia que mais crianças estejam em risco de ser vítimas de abusos, o presidente da CEP assumiu que sim. “Receio, mas eu não posso tirar uma pessoa do ministério porque chegou alguém que disse ‘Este senhor abusou de alguém’. Quem foi que disse? Em que lugar? Quando? Tirar um padre do ministério é uma coisa grave”, sustentou. Em suma, o afastamento preventivo de sacerdotes só poderá ter lugar se ficar comprovada a plausibilidade e a veracidade da queixa e se houver “perigo de repetição ou de continuidade” do abuso.
Quanto ao afastamento de bispos que sejam apontados como tendo encoberto ou ajudado a encobrir crimes de abuso sexual dentro das respectivas dioceses, D. José Ornelas usou de cautelas semelhantes. “Nós não pactuamos com situações dessas, mas também não embarcamos em qualquer acusação de encobrimento”, avisou, ressalvando que não se trata de a Igreja assumir em relação a isto qualquer "posição defensiva", mas de acomodar a dificuldade em “encontrar os casos e ver a verdade dos factos”.
“A própria Procuradoria-Geral da República [PGR] encontra dificuldades em tratar a maior parte dos casos que lhe chegam, porque não tem elementos suficientes”, lembrou, referindo-se ao facto de a PGR ter já arquivado nove dos 15 inquéritos instaurados após as denúncias que a comissão independente cessante lhe fez chegar. “A própria noção de encobrimento no direito português é difícil de encontrar”, justificou, para repetir que “cada caso tem de ser estudado”, isto é, que “não basta falar-se: é preciso dados que justifiquem e dêem credibilidade às acusações”.
“Tem de haver uma base sólida também para julgar a moralidade e a ética das decisões que se tomaram. Se se tem um caso que é reportado e é feita a devida investigação e isso não chega a ser plausível, é evidente que o caso não tem seguimento”, repetiu.
Porque uma proporção significativa dos abusos relatados no relatório ocorreu no confessionário, os bispos preparam-se para reconfigurar o ambiente em que o sacramento ocorre, para que deixe de ser “em ambientes fechados, isolados”, passando a fazer-se em “local acessível para que não haja ocasião para novos abusos”. Quanto ao segredo de confissão, que era outra das recomendações deixadas no relatório da comissão independente, a questão não se coloca: “Não está nem nunca estará sobre a mesa.”
Indemnizações ficarão a cargo dos abusadores
Igualmente descartada parece estar a possibilidade de, à semelhança do que ocorreu em vários outros países, a instituição ser responsável por indemnizar financeiramente as vítimas que o requeiram. “A questão das indemnizações é clara, tanto no direito canónico como no direito civil. Se há um mal que é feito por alguém, é esse alguém que é responsável”, declarou, taxativo, o presidente da CEP, empurrando assim o problema para as costas dos abusadores. Mais à frente, D. José Ornelas precisou: “As pessoas que precisam de ajuda vão tê-la, agora indemnizações, só tendo em conta quem é [o abusador] e para isso é preciso um processo civil e é preciso que se o ponha.”
Já no tocante à garantia de apoio psicológico ou psiquiátrico às vítimas, a Igreja assume inteiramente essa responsabilidade, sendo que a operacionalização do tratamento caberá a cada diocese. “Isso é uma prioridade para nós. Ninguém vai deixar de ter acesso a tratamento por falta de meios”, enfatizou o representante dos bispos. Não se trata de a Igreja escolher os profissionais que considere mais adequados. “Vamos estabelecer parcerias e temos instituições que já se manifestaram disponíveis para isso. Não estamos a dizer que serão os nossos médicos”, explicou.
Quanto aos padres abusadores, em relação aos quais os membros da equipa coordenada por Pedro Strecht tinham alertado que não basta “acompanhamento espiritual”, sendo necessário tratamento farmacológico e psiquiátrico, o presidente da CEP foi taxativo: “Nós precisamos não só de cuidar das pessoas abusadas, mas dos abusadores. Porque senão são ‘bombas vagantes’. E para isso precisamos de encontrar soluções”, declarou, admitindo que o tratamento possa beneficiar da experiência acumulada nalgumas unidades de saúde detidas por congregações religiosas.