DGArtes: Clara Andermatt suspende projectos por falta de apoio à companhia

Coreógrafa aguarda ainda resultado do recurso, mas já se viu obrigada a dispensar dois colaboradores que asseguravam a produção. Diz que este é o período mais difícil dos seus já 30 anos de carreira.

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Ensaio de Parece que o Mundo, inspirado na obra Palomar, de Italo Calvino, co-criação de Clara Andermatt e João Lucas, pela Companhia Clara Andermatt rui gaudêncio

A coreógrafa Clara Andermatt disse esta sexta-feira à agência Lusa que foi obrigada a desmantelar a estrutura da própria companhia e a suspender os projectos para dois anos depois de ter perdido o apoio da Direcção-geral das Artes (DGArtes).

A Companhia Clara Andermatt, com 30 anos de actividade, foi uma das estruturas da área da dança preteridas nos concursos de apoio sustentado às artes de Dança, Música e Ópera e Cruzamento Disciplinar, Circo e Artes de Rua, na modalidade bienal para 2023-2024.

"Isto foi, de certa forma, estranho e ilegal terem injectado grande parte do dinheiro, ou quase a totalidade, nos concursos quadrienais, a meio do processo", disse a coreógrafa à Lusa. "O aviso de abertura [do concurso] sai com umas regras, um modelo, e [depois], já com as candidaturas todas entregues, sem conhecimento prévio e sem uma exposição de uma ideia, dá-se uma mudança", passando a tutela a reforçar os apoio a quatro anos, acrescentou Andermatt.

Na sequência dos resultados que levaram à sua exclusão da lista de entidades apoiadas, a Companhia Clara Andermatt recorreu, mas recebeu do júri uma resposta negativa. Recusando-se a baixar os braços, a coreógrafa e a sua equipa deram o passo seguinte - apresentara um recurso hierárquico do qual aguardam ainda resposta, que deverá chegar "nas próximas semanas".

"Esta mudança de regras a meio do jogo não me parece respeitosa. A companhia ficou de um momento para o outro sem apoio e sem conseguir completar o seu programa deste ano, de uma forma algo perversa", defendeu esta criadora nascida em Lisboa em 1963, que começou por estudar com a mãe, Luna Andermatt, figura de referência na história da dança em Portugal, e desde então trilhou um percurso artístico de nível internacional.

A companhia continua a funcionar no espaço Interpress - Hub Criativo do Bairro Alto, que lhe reduziu "de forma substancial" a renda para os próximos meses, enquanto aguarda os resultados do recurso.

"Tive de desmantelar a estrutura de produção, com duas pessoas, a quem já não podia pagar ordenados", exemplificou Clara Andermatt, acrescentando que acabou por concorrer aos apoios dos concursos da DGArtes para projectos pontuais, cujas verbas "são insuficientes" para o seu normal funcionamento. Neste quadro, pediu uma reunião com a Câmara Municipal de Lisboa no sentido de obter novo apoio, encontro que deverá acontecer durante este mês, afirmou.

Para já, a criadora tem garantias apenas para continuar projectos que envolvem parcerias, como o Lab in Dança, com espectáculos que unem a dança e o circo, em articulação com a autarquia de Vila Nova de Famalicão, e no âmbito do PARTIS - Práticas Artísticas para a Inclusão Social, iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian destinada a juntar pessoas portadoras de deficiência e bailarinos profissionais. Este projecto irá em digressão em 2024.

"É, sem dúvida, o período mais difícil que já vivi em 30 anos. Claro que pode sempre acontecer ficar-se fora de um apoio num concurso, mas a forma como mudaram a regras repentinamente sem manterem o princípio da proporcionalidade é que subverteu todo o modelo", reiterou, alertando que esta situação "abre precedentes para o próximo concurso".

Para assinalar três décadas de vida da companhia, a coreógrafa estreou no ano passado o espectáculo Pantera, em homenagem ao músico cabo-verdiano Orlando Pantera, nome fundamental para a divulgação das raízes culturais do seu país.

Com companhia própria desde 1991, Clara Andermatt criou e produziu numerosas obras, entre as quais Dançar Cabo Verde (1994), Anomalias Magnéticas (1995), Cemitério Dos Prazeres (1996), Natural (2005), Hot Spot (2006), E Dançaram Para Sempre (2007), Meu Céu (2008), Void (2009) e Fica no Singelo (2013).