Valdai, na bacia do Volga, entre São Petersburgo e Moscovo, é a morada de uma das residências de Vladimir Putin. Mas não foi isso que despertou a curiosidade da investigação do Proekt, um meio de comunicação social russo independente. O fumo que lhes fez crer haver fogo foi o registo de constantes viagens de um grupo de mulheres, identificadas como ajudantes (aias, talvez seja o termo mais apropriado) de Alina Kabaeva, à região.
Alina Kabaeva, de 39 anos, é uma antiga ginasta, nascida no Uzbequistão, que chegou a ser descrita como “a mulher mais flexível da Rússia” – e uma das atletas mais medalhadas da história da ginástica rítmica: duas medalhas olímpicas (uma de ouro), 14 no Campeonato Mundial e 21 no Campeonato Europeu. E é apontada como a amante secreta de Putin.
As peças começaram a encaixar quando uma fonte familiarizada com a disposição da residência de Putin contou, sob condição de anonimato, que uma mansão de 1200 metros quadrados foi aí construída, entre 2020 e 2022, especificamente para Kabaeva. A nova casa fica a cerca de 800 metros da habitação dourada do Presidente.
Durante os trabalhos, foi erigida uma doca junto à casa da ginasta, a partir da qual se atravessa o pequeno canal de barco até a “um enorme e clássico parque palaciano” de 28 hectares, que acolhe um gigantesco complexo termal com solário, uma câmara de crioterapia, piscinas, um hammam, uma sauna, uma sala de lama, banhos de massagem, cosmetologia e áreas de odontologia. E, não menos importante, foi encontrada uma maneira de as pessoas entrarem e saírem sem serem vistas, graças a uma via-férrea construída especificamente para Putin, que viaja num comboio blindado.
A presença constante de crianças foi confirmada por quem conhece bem as propriedades de Valdai, tendo a investigação apurado que, nos últimos anos, foi montada uma pequena pista de karting e um grande parque infantil nas profundezas da floresta. Mas o Proekt reuniu outros indicadores da veracidade da existência de filhos de Alina Kabaeva e Vladimir Putin.
Em 2015, a imprensa suíça divulgou que Putin estava no país para o nascimento de uma filha. Num artigo intitulado Es ist ein Mädchen! (É uma menina!), o jornal Bilk relatava que a filha de Putin e Alina Kabaeva tinha nascido na clínica privada Santa Anna di Sorgeno, em Lugano.
O porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, negou a notícia, mas, anos depois, a descoberta de uma fotografia nas redes sociais em que se vêem a obstetra Natalia Thiebaud, a neonatologista Petra Caterina Maria Donati Genet e a enfermeira Stella Giselu, todas da clínica privada de Santa Anna, a assistirem no stand VIP ao desfile militar na Praça Vermelha, em 2019, veio colocar a questão: por que razão fora concedido o direito de estarem naquele privilegiado local àquelas mulheres?
O Proekt conta que foi Thiebaud que assistiu ao parto de 2015 e que foi chamada a Moscovo pela impossibilidade de Kabaeva, novamente grávida, se deslocar à Suíça. A clínica e as especialistas não responderam às perguntas sobre a imagem, e esta desapareceu logo a seguir das redes.
O presidente e a rainha sem coroa
O caso do Presidente russo, Vladimir Putin, com Alina Kabaeva remonta a 2008, altura em que começaram a circular rumores da relação entre os dois, estando Putin ainda casado – o divórcio de Lyudmila Ocheretnaya foi anunciado em 2013, embora o fracasso do matrimónio já fosse público, dadas as raras vezes em que a primeira-dama era vista ao lado do marido.
Era, porém, aquele tipo de situação de que toda a gente sabia, mas sobre a qual ninguém falava. “Qualquer pessoa que ousasse falar publicamente sobre o assunto era imediatamente castigada”, lembra a investigação do Proekt. É por isso que se fala da “ginasta” nos documentos recebidos de fontes que não se identificam por razões de segurança – nem sob anonimato parece haver confiança para soletrar o nome de Alina Kabaeva.
Kabaeva, que é descrita como “rainha sem coroa” ou “concubina secreta”, é comparada a uma governante medieval. É que, concluíram os jornalistas ao longo da investigação, de duas partes (a última foi publicada a 28 de Fevereiro), “muitos factos sobre a relação entre o presidente russo e a sua amante parecem ter sido copiados de livros de história medieval”.
Certo é que, em 2011, numa altura em que Putin se preparava para regressar ao Kremlin, muitos arranjos foram feitos no sentido de dar a Kabaeva uma vida de rainha. A mulher especificou o que queria, onde queria e em que nome os bens deveriam ser registados, tudo pago através de dinheiros de um fundo secreto, nomeadamente quatro apartamentos em Sochi, onde se encontram também a residência oficial de Putin e um palácio secreto.
As propriedades milionárias ficaram em nome da avó de Kabaeva, mas nenhuma delas lhe serve de refúgio, preferindo permanecer no palácio em Valdai, que fica longe de tudo e todos.
Já a avó da ginasta, que possui uma fortuna em bens imóveis registados em seu nome avaliada em 1,1 mil milhões de rublos (13 milhões de euros), vivia até recentemente numa pequena casa de aldeia em madeira.
No Outono de 2022, cita a investigação, foi “levada para a cidade para [passar] o Inverno” com outra neta, Olesya Fedina, uma das aias da ginasta que leva a vida de uma czarina.