Vinhos velhos? Não, vinhos crescidos se faz favor.
Se tiver de afirmar uma preferência absoluta, a minha escolha será provável e consistentemente esta: Quinta de San Joanne. Qual? Todos… e quanto mais crescido (não gosto do termo “velho”) melhor.
O desafio não podia ter sido mais claro. “Escreve sobre dois vinhos que provaste recentemente e tenhas gostado. Não vale escrever sobre regiões onde trabalhas nem sobre os teus amigos!” Ora bolas, não posso dizer mal de ninguém e ainda me proíbem de favorecer amigos. O que exigirão de seguida? Que não aceite “presentes” de produtores em troca de recomendações? Tenham dó!
Não é fácil pensar num vinho português que me dê prazer sem que eu tenha algum tipo de relação com quem o produz ou faz. O meio é pequeno e ao contrário do que possam pensar, tenho amigos, sobretudo entre aqueles que fazem bons vinhos.
Percebi portanto que teria de reinterpretar um pouquinho as regras adicionando alguns argumentos que vos convençam sobre a idoneidade da escolha. Não deixam de ser escolhas emocionais e nesses pontos tentarei ser também o mais claro que souber.
O primeiro vinho é um daqueles que nunca podem faltar cá em casa. É (à parte da minha) a marca que prefiro no que toca a brancos portugueses. Sei o quão palerma é afirmar uma preferência absoluta, mas, se tiver de o fazer, a minha escolha será provável e consistentemente esta: Quinta de San Joanne. Qual? Todos… e quanto mais crescido (sobre o tempo que passa na garrafa, não gosto do termo “velho”) melhor. Mas podem mesmo começar no Terroir Mineral de 2020. É um regional Minho (as vinhas vivem em Amarante) feito de Loureiro e Avesso.
Falamos de um projecto de família, neste momento “capitaneado” pelo divertido, sarcástico e reativo João Pedro Araújo. Em prova gosto muito da franqueza das sensações cítricas com um ligeiro toque de louro (nunca percebi se é sugestão pelo nome de uma das castas, mas lá que a sinto, sinto). Tem um carácter acídulo* bem vincado mas sempre elegante, equilibrado e macio. Encontram-no à venda por 8,5 euros e é para mim um mistério como ainda tanta gente ignora a sua existência.
Deixo-vos um desafio. Comprem duas ou três garrafas a mais e esqueçam-se delas uns meros cinco anos. Vão agradecer a dica quando abrirem a primeira!
A segunda proposta é um outro vinho branco. Quinta das Marias Encruzado 2021, Dão, diz-lhe alguma coisa?
Conheci esta casa num desses eventos de promoção há uns quase 20 anos. Os vinhos eram ótimos mas quem me fascinou primeiramente foi Peter Eckert, o produtor. Um senhor, totalmente diferente dos seus pares, sem pejo de aconselhar ou partilhar conhecimento e experiência, tudo isto num tempo em que se acreditava que os segredos dão alma ao negócio.
O seu enólogo, Luís Lopes, está na lista dos meus preferidos. Não me lembro de um vinho da sua autoria de que não tenha gostado. Este que vos trago não é exceção.
Tudo foi feito em cuba de inox, não sinto falta nenhuma da madeira (confesso aliás que o Encruzado e a madeira me começam a aborrecer na maioria das propostas). Provei-o por acaso no Oh! Vargas, em Santarém, no meio de outros vinhos e logo aí se destacou pela elegância da fruta e caráter acídulo manifesto sem agressividade. Enérgico, equilibrado e muito franco. Gordo e persistente mas sempre numa intensidade contida mas perfeita.
Posto isto, falamos de um vinho de 10 euros, OK?
*A acidez é uma medida química que nada diz ao provador. O caráter acídulo, por seu lado, resulta do balanço entre a acidez e os componentes mais marcantes de um vinho, álcool, açúcar e muitas vezes taninos e é verdadeiramente o que sentimos em prova. Para um mesmo nível de acidez, um vinho é tanto mais acídulo quanto menor for o álcool e/ou a concentração de açúcar.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico. Este artigo é publicado no âmbito de um desafio lançado pelo Terroir a vários enólogos para escreverem sobre O Vinho dos Outros