Católicos exigem medidas imediatas ao episcopado face aos casos de abuso
Subscritores de uma carta de apelo defendem que suspeitos de abusos que continuam no activo sejam suspensos e pedem ajuda psicológica para as vítimas.
Centenas de católicos enviaram uma carta aos bispos portugueses, pedindo medidas a curto prazo face aos casos de abuso sexual na Igreja Católica, entre as quais que os bispos "encobridores" daquelas situações, a existirem, se retirem de funções.
A carta, cujo envio ao episcopado foi revelada esta quinta-feira pelo jornal digital 7Margens, pede ainda medidas, para já, em relação a "todos os abusadores que estejam actualmente ao serviço da Igreja", como a "suspensão com carácter preventivo sempre que haja indícios minimamente credíveis sobre abusos e, quando considerados culpados à luz da moral cristã, independentemente de eventual processo judicial, sejam dispensados de funções e, no caso de clérigos, passando ao estado laical".
A criação imediata de modos de viabilizar apoio e ajuda psicológica, psiquiátrica e espiritual às vítimas de abusos sexuais que o pretendam, a preparação de um momento solene e colectivo para pedir-lhes perdão e a criação uma nova comissão independente que prossiga o trabalho da anterior, recebendo denúncias e acompanhando casos, são, segundo o 7Margens, algumas das medidas que mais instituições e pessoas católicas propõem aos bispos portugueses.
Os subscritores defendem, também, que as comissões diocesanas de protecção de menores recentrem a sua acção na prevenção primária e na formação.
O episcopado, que se encontra em retiro em Fátima, realiza na sexta-feira uma assembleia plenária extraordinária, para análise do relatório divulgado em 13 de Fevereiro pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica em Portugal, sendo esperado o anúncio de medidas por parte da hierarquia católica.
Durante a manhã de sexta-feira, a Comissão Independente, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, entregará aos bispos, por dioceses, a lista nominal dos alegados abusadores referenciados pelas vítimas. Da parte da tarde, a comissão entregará à Procuradoria-Geral da República idêntica lista, mas apenas de alegados abusadores ainda no ativo, para conhecimento do Ministério Público.
Segundo o jornal 7Margens, muitos dos subscritores da carta enviada na quarta-feira ao episcopado são os mesmos que, em Novembro de 2021, se dirigiram aos responsáveis da Conferência Episcopal incentivando-os a criar uma comissão nacional independente para estudar o problema dos abusos de crianças no seio da Igreja, nomeadamente membros de movimentos como o Graal, Nós Somos Igreja, Ação Católica dos Meios Sociais Independente, Metanoia-Movimento Católico de Profissionais, Comunidade da Capela do Rato (Foco ecológico) ou Grupo Sinodal Nós entre Nós.
Além das medidas a tomar nos próximos dois meses, a carta sugere outras para serem efectivadas no prazo de seis meses, como promover e incentivar o acesso e estudo do relatório da Comissão independente e suas conclusões entre os agentes de pastoral, "prevenindo a tentação negacionista ou de relativização do fenómeno criminal" ou a elaboração de "um manual de boas práticas que ajude os agentes pastorais a prevenir situações de risco e a identificar indícios de casos de abusos, bem como a acolher e encaminhar vítimas".
A Comissão Independente validou 512 dos 564 testemunhos recebidos - entre Janeiro e Outubro de 2022 -, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4815. Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos no período compreendido entre 1950 e 2022, o espaço temporal que abrangeu o trabalho da comissão.
O sumário do relatório, contudo, revela que "os dados apurados nos arquivos eclesiásticos relativamente à incidência dos abusos sexuais devem ser entendidos como a "ponta do iceberg".
No próprio dia da apresentação do relatório, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reconheceu que os resultados não podem ser ignorados e admitiu estar-se perante uma situação "dramática".