A semana de quatro dias
Enquanto sócio de uma empresa que adoptou com claro sucesso esse sistema há mais de três anos, muito do que tenho lido parece-me ter tanto de compreensível como de estranho ou absurdo.
Muito se tem falado do regime semanal de trabalho de quatro dias, do seu potencial e dos seus perigos, muitas vezes da sua impossibilidade, de que já há uma ou outra empresa num país distante a adoptar o sistema. Fala-se de que o Estado procura empresas voluntárias para um projecto-piloto, uma espécie de cobaias para testar algo muito complexo e arriscado.
Enquanto sócio de uma empresa que adoptou com claro sucesso esse sistema há mais de três anos, muito do que tenho lido parece-me ter tanto de compreensível como de estranho ou absurdo. Compreensível, porque mudar modelos enraizados há décadas pode suscitar insegurança ou dúvidas na mente de empresários. Estranho, porque vivo uma realidade óptima e assisto a um cepticismo alargado, maioritariamente da parte de quem contrata, perante a possibilidade dessa mudança.
No entanto, desde os longínquos anos setenta em que o actual modelo de cinco dias foi instituído, vivemos o período da Grande Aceleração, de uma evolução radical ao nível das ferramentas de trabalho e da partilha de dados, fruto da evolução colossal dos sistemas digitais. Assistimos a um aumento exponencial da velocidade e da produtividade, mas, daí não advieram benefícios para a rotina de vida das pessoas, sendo que um bastante lógico seria a redução do número de dias de trabalho, a par da introdução de opções de teletrabalho.
Mas há mais razões para isso. Contrariamente ao que muitos empresários pensam, adiar essa mudança não faz qualquer sentido para os interesses das empresas. Teme-se que a redução de um dia de trabalho tenha impacto negativo sobre a produtividade. Contudo, a minha prática com o modelo revela precisamente o oposto.
A qualidade da produtividade é inerente ao grau de felicidade no local de trabalho e não à imposição de horários alargados e ao controle apertado do seu cumprimento. E uma das condições para essa felicidade é quem trabalha ter a percepção de que na empresa que integra o seu bem-estar é uma questão central. Produz-se mais quando se está mais motivado, também por se sentir protegido, respeitado, e por se viver num ambiente de confiança.
Outro aspecto fundamental prende-se com a importância do lazer na sua relação com o trabalho, cujo debate é alimentado pelo menos desde finais do século XIX. Para lá do contraditório se o trabalho é um fim ou um meio, interessa-me uma questão fundamental e que me parece clara: a qualidade do lazer é indissociável, como causa-efeito, da qualidade do produto do trabalho.
Se por um lado é uma evidência científica aquilo que intuitivamente sentimos, que o bom funcionamento intelectual está profundamente dependente de períodos eficazes de afastamento das tarefas, de pausa, durante os quais o cérebro recupera a sua capacidade – nomeadamente crítica, por outro lado, o descanso e a construção humana resultantes de haver mais tempo para a família, para actividades culturais, sociais e lúdicas, torna-nos muito mais disponíveis e competentes para o desempenho profissional.
Se tivermos em conta que a maioria das famílias, sobretudo de meios sociais menos favorecidos, ocupa os fins-de-semana em tarefas domésticas e de apoio a filhos em idade escolar – no fundo a trabalhar, esse dia adicional poderá ser o único que lhes resta para descansarem, para a tal dimensão lúdica, para fruírem a vida. Não será então totalmente pertinente que hoje, após décadas de funcionamento no modelo de cinco dias e perante tão radicais mudanças, se procure, nem que seja de forma gradual, libertar esse dia adicional?
Percebi por experiência própria, que a mera condensação do tempo semanal de trabalho em quatro dias é em geral preferido, particularmente pelos mais jovens. A partir dessa possibilidade, deve ser feita uma redução imediata ou gradual das horas semanais, podendo atender-se a necessidades específicas de alguns trabalhadores, nomeadamente relacionadas com filhos em idade de maior dependência, através da incorporação de períodos de teletrabalho.
Excluindo áreas de trabalho muito específicas onde será mais complexo ou impossível, na maioria dos casos não é difícil implementar o modelo de quatro dias, requerendo naturalmente uma cuidadosa preparação, uma transição gradual feita em diálogo, onde todos assumem o compromisso de fazer a mudança funcionar. Da nossa experiência, em que houve correcções após o primeiro ano de implementação, sentimos nas pessoas um maior grau de felicidade, que a produtividade aumentou, com a vantagem de uma maior rapidez de resposta em cada um desses quatro dias.
Quanto à vida das pessoas, terem livre um dia útil durante a semana, além de lhes aumentar a duração do fim-de-semana, permite-lhes tratarem de assuntos pessoais que de outra forma não seria possível sem solicitarem ao empregador tolerância especial. Em termos de redução dos níveis de ansiedade, é extremamente importante.
De resto, se fizermos contas à redução de dias de deslocações e ao facto de estas serem feitas fora das horas de ponta, concluímos que, além de as pessoas estarem menos tempo fechadas em automóveis e nos transportes públicos, recuperam para si, literalmente, muitos dias ao longo do ano. Adicionalmente, com um impacto ambiental positivo para as cidades, de haver menos carros a circular e do alívio na lotação nos transportes públicos. São benefícios a mais para não serem levados a sério.
Da parte dos nossos clientes, mais do que aceitação e respeito pelo modelo, recordo expressões de admiração por uma opção que vêem como progressista. Por estas e muitas outras razões, não me passa pela cabeça voltarmos atrás. Como costumo responder a quem me pergunta, foi talvez a mais importante decisão empresarial em que participei, seria uma espécie de retrocesso civilizacional.