Pelo menos 59 migrantes morrem em naufrágio ao largo da costa italiana
Barco com mais de 100 pessoas a bordo naufragou na região da Calábria, no Sul da Itália. Presidente italiano pede acção à União Europeia e ONG responsabilizam Governo de Meloni.
Uma embarcação de pesca que levava a bordo mais de uma centena de pessoas originárias do Paquistão, do Afeganistão, da Turquia e da Somália naufragou a uns cem metros de alcançar a costa italiana, na madrugada de domingo, e ao fim da tarde o balanço de vítimas mortais continuava a ser constantemente actualizado. Morreram pelo menos 59 pessoas, entre as quais uma dezena de crianças, o que faz deste o incidente a envolver migrantes mais mortífero deste ano no Mediterrâneo.
O naufrágio aconteceu junto a Steccato di Cutro, perto de Crotone, na Calábria (ponta da bota), depois de o barco não ter aguentado a tempestade que se abateu na zona e provocou forte agitação marítima na noite de sábado. A embarcação tinha partido há quatro dias de Esmirna, na Turquia, e os sobreviventes (80 resgatados até ao momento) divergem sobre o número de pessoas a bordo, mas as autoridades acreditam que seriam 150 a 180.
O barco foi detectado a cerca de 40 milhas da costa por uma aeronave da agência europeia de fronteiras Frontex no sábado à noite. Segundo a imprensa italiana, dois navios de socorro foram enviados para o local, mas tiveram de voltar para trás devido às más condições de navegação. O barco seria encontrado desfeito em pedaços numa praia por volta das 5h. Alguns cadáveres também tinham dado à costa.
“É algo que nunca queremos ver na nossa vida”, desabafou aos jornalistas o autarca de Cutro, Antonio Ceraso, descrevendo uma “visão horrível” no local. Segundo ele, os destroços da embarcação espalham-se ao longo de 300 metros. “Quando chegámos ao local, vimos cadáveres a flutuar por todo o lado e socorremos dois homens que estavam a segurar num bebé. Infelizmente, o bebé estava morto”, contou à agência noticiosa Ansa a médica Laura de Paoli, que participou nas operações de resgate.
A Guarda Costeira e a Cruz Vermelha prosseguem as buscas, temendo que o número final de vítimas possa ainda subir mais. A polícia deteve um homem suspeito de ser o traficante responsável pela viagem.
Rota turca
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) diz em comunicado emitido na manhã de domingo que “em 2022, as chegadas a partir da Turquia representaram cerca de 15% do total de chegadas por via marítima à Itália” e que “quase metade” das pessoas que fazem essa rota provêm do Afeganistão. Segundo os dados mais recentes da Frontex, 28.823 pessoas embarcaram no ano passado na chamada rota turca, com destino tanto a Itália como à Grécia.
Esta não é a rota mais usada pelos migrantes para chegarem à Europa: a mais procurada, e mais mortífera, é a do Mediterrâneo central, onde morreram ou desapareceram mais de 17 mil pessoas desde 2014. Na rota do Mediterrâneo oriental, em que se incluem as partidas da Turquia, tinham-se registado 18 mortos em 2023, de acordo com a OIM.
Desde o início do ano até 20 de Fevereiro chegaram mais de 16 mil pessoas por mar à Europa e Itália registou no período de uma semana, já este mês, a entrada de 5636 migrantes, um número que ultrapassa largamente qualquer outro verificado em 2023. Um balanço feito na sexta-feira pelo Ministério do Interior italiano diz que desde 1 de Janeiro foram 14104 os migrantes que chegaram por via marítima, o triplo do valor registado no mesmo período do ano passado.
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, manifestou “profundo pesar” pelas mortes e prometeu trabalhar para acabar com as travessias do Mediterrâneo por migrantes. “O Governo está empenhado em evitar as partidas [de barcos] e a ocorrência destas tragédias”, declarou Meloni, “exigindo máxima colaboração aos Estados de partida e de proveniência”.
Tanto o ministro do Interior, Matteo Piantedosi, como o líder da Liga e parceiro de coligação de Meloni, Matteo Salvini, apontam baterias contra os traficantes a quem os migrantes pagam grandes quantidades de dinheiro para entrar em embarcações frequentemente frágeis. Mas as organizações que trabalham no Mediterrâneo em operações de busca e salvamento responsabilizam o Governo italiano, a quem acusam de dificultar o seu trabalho.
Na quinta-feira passada, o Parlamento italiano aprovou uma nova lei que obriga os navios das organizações humanitárias a pedir acesso a um porto e a navegar até lá “sem demora” depois de um resgate, em vez de continuarem em mar alto disponíveis para ajudar outros barcos potencialmente em perigo, como era até agora a prática comum.
A legislação foi criticada por várias instituições internacionais, como a ONU, a Igreja Católica e o Conselho da Europa. Mas o Governo de Meloni argumenta que a presença de navios de resgate no mar por longos períodos é um incentivo a que os migrantes se façam ao caminho e alimenta as redes de tráfico humano. As organizações contrapõem que os migrantes continuarão a tentar alcançar a costa italiana, independentemente de lá haver navios humanitários para os resgatar ou não. O La Stampa cita dados do Ministério do Interior para noticiar que as ONG foram, no que já vai de 2023, responsáveis pela chegada a terra de 8% dos embarcados, enquanto os restantes 92% alcançaram a costa por meios próprios ou com a ajuda dos serviços de socorro estatais.
“Bloquear as ONG no Mediterrâneo tem um só efeito: mais mortes no mar”, acusou no Twitter a organização Open Arms. Já a Sea Watch afirmou, também no Twitter, que “a ausência de uma missão europeia de busca e salvamento é um crime que se repete todos os dias”.
O Presidente italiano, Sergio Mattarella, também exige acção às instituições europeias. “É indispensável que a União Europeia assuma finalmente a responsabilidade de controlar o fenómeno migratório para retirá-lo aos traficantes de seres humanos”, afirmou. “Temos de redobrar os nossos esforços [para cumprir] o Pacto sobre Migrações e Asilo e no Plano de Acção sobre o Mediterrâneo central”, reagiu a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Twitter.
Para Chiara Cardoletti, representante do Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas em Itália, citada no comunicado da OIM, “é mais necessário do que nunca reforçar a capacidade de salvamento, que ainda é insuficiente, para evitar tragédias como esta”. Já Laurence Hart, director da OIM para o Mediterrâneo, afirma que “o fenómeno da migração por mar tem de ser enfrentado por todos os Estados europeus com uma abordagem que olhe para as múltiplas causas que levam as pessoas a fugir tanto dos seus países de origem como de trânsito nestas condições dramáticas”.