“Os naufrágios continuam porque não existem rotas legais e seguras”
Pedro Neto, director executivo da Amnistia Internacional em Portugal, lamenta que a União Europeia aja como uma fortaleza, levando as pessoas desesperadas a recorrer a rotas perigosas para cá chegar.
É verdade que tem havido menos viagens de migrantes através do Mediterrâneo, mas que o número de mortes não desceu de forma significativa?
A maior parte das viagens ocorre no Verão, quando as condições climatéricas são melhores. Um barco vir nesta altura representa um risco maior e quem lá vem sabe disso. Quanto maior o desespero for, mais as pessoas arriscam. Os naufrágios continuam porque não existem rotas legais e seguras para chegar à Europa. Como não há alternativa, as pessoas gastam muito dinheiro em viagens arriscadas. Temos que lhes dar possibilidade de encontrarem formas mais seguras de fazer estas viagens.
Como avalia neste contexto, leis como a que foi aprovada a semana passada pelo Parlamento italiano que obriga os navios das ONG a pedir acesso a um porto e a navegar até lá “sem demora” depois de um resgate, em vez de continuarem em mar alto disponíveis para ajudar outros barcos potencialmente em perigo?
Desde o início da humanidade que o ser humano usa a sua mobilidade e isso sempre criou conflitos. Há duas atitudes políticas más: abrir fronteiras sem controlo e fechá-las, tornando os países uma fortaleza. Se abrirmos sem controlo, não conseguimos proteger as vítimas de tráfico de pessoas. Se fechamos, incentivamos as pessoas a recorrer a métodos mais desesperados. Devemos abrir de forma controlada. Criminalizar as ONG é uma narrativa errada. Até porque elas assumiram uma função que deveria caber aos Estados. Em vez de perseguir a sociedade civil, os Estados têm que cooperar com ela.
De que forma deve ser abordado o problema das migrações?
Temos que procurar as respostas na origem. Perceber porque é que as pessoas saem. De que estão a fugir. Da pobreza extrema, da perseguição política… É um trabalho muito complexo. Depois tem que haver uma partilha de responsabilidade entre os Estados europeus. O que vemos hoje é a Itália e a Grécia a terem uma sobrecarga maior fruto da sua localização. A Alemanha é dos países que mais acolhe refugiados. Mas todos devem contribuir. As pessoas devem ser integradas e acolhidas de forma conveniente para que não sucedam episódios de violência como aquele que aconteceu recentemente em Olhão. Perceber que vindo as pessoas precisam de uma casa digna para morar, acesso à saúde e escola, etc.
Numa Europa a caminhar para um envelhecimento drástico da população, estes fluxos não deviam ser vistos como uma boa solução de futuro?
Para nós portugueses, país de emigrantes, devia ser mais fácil perceber isso. Mas há mitos… de que vamos perder as nossas tradições, a nossa cultura. As pessoas não podem acreditar nisso. Olhemos para as nossas comunidades de emigrantes espalhadas pelo mundo que apesar de estarem longe e noutros contextos não mudaram assim tanto. Infelizmente este é um assunto muito politizado, que se alimenta numa narrativa de ódio e xenofobia.