Violência sexual contra crianças e jovens: a prevenção primária é a chave
O abuso sexual é um crime hediondo capaz de gerar trauma e que não deve ser visto como um problema circunscrito às vítimas.
Ainda estamos a tentar digerir os resultados da comissão independente para o estudo dos abusos sexuais cometidos dentro da Igreja Católica contra crianças e jovens.
Ouvimos relatos duros de pessoas, algumas numa fase precoce do seu desenvolvimento, que sofreram o aproveitamento da sua ingenuidade e vulnerabilidade, ficando marcadas para a vida. Eram crianças que deveriam ter sido protegidas, mas foram repetida e gravemente agredidas.
Os crimes foram encobertos durante anos e anos e muitas vezes negados, acabando por reforçar uma das principais características do abuso sexual: o secretismo que é potenciado pela vergonha e pela culpa das vítimas.
O abuso sexual é um crime hediondo capaz de gerar trauma e que não deve ser visto como um problema circunscrito às vítimas. Todos nós fomos agredidos na medida em que há um impacto negativo no processo de desenvolvimento das vítimas, em concreto, na sua saúde psicológica e física, com potencial para permanecer ao longo da vida.
Esta é uma experiência que atinge a identidade das vítimas, retirando-lhes a sensação de controlo e de poder sobre o seu corpo e a sua vida, para além de conduzir muitas vezes a uma percepção desvalorizada de si.
Os danos podem diferir entre as pessoas e envolvem efeitos psicológicos, físicos ou comportamentais, com sinais e sintomas específicos de acordo com a etapa do desenvolvimento onde a criança ou jovem se encontre.
É natural apresentarem alterações nos padrões alimentares e do sono, por exemplo, perda de apetite, pesadelos, além de alterações emocionais como medos e apatia. Também podem surgir nas crianças comportamentos regressivos, sexualizados, fobias relacionadas com estímulos próximos das situações de abuso, medos, irritabilidade, depressão, etc..
O que podemos fazer para proteger as crianças e jovens?
É urgente começar a actuar de forma eficaz, e não apenas reagir, para reduzir o risco de outras crianças e jovens serem vítimas. O primeiro passo é apostar na prevenção, na detecção e na sinalização de qualquer forma de mau trato.
A prevenção deve imperar como abordagem de redução dos factores de risco, ao mesmo tempo que se potenciam os factores protectores. Como? Por exemplo, com acções de formação que promovam competências de sinalização para pais, auxiliares de educação, professores, educadores de infância e para a comunidade em geral.
De igual forma, os adultos devem ser responsabilizados a proteger as crianças de situações de risco e ensinados a saber ouvir quando estas fazem uma queixa, sem desvalorizá-la, nem criar drama, mas estando abertos a aprofundar o conhecimento da situação relatada, mantendo-se atento a alterações do funcionamento habitual da criança.
As crianças devem ser ensinadas desde o jardim-de-infância a reconhecer o que é esperado ou não na relação com os outros e que há limites que não devem ser permitidos ultrapassar.
Deve-se começar por ajudá-la a conhecer o seu corpo e a identificar as partes que são íntimas e, por isso, não devem ser vistas nem tocadas por pessoas que não são da sua confiança.
Devem, ainda, compreender que o seu corpo é uma pertença somente sua e que pode dizer não a quem queira tocar-lhe sem consentimento e não aceitar toques que geram desconforto.
Por outro lado, as crianças também precisam aprender a pedir ajuda quando sentem uma emoção negativa e a distinguir os segredos que podem ou não ser guardados, sendo que estes últimos estão associados à emoções negativas e geram desconforto.
Ajude a criança a identificar as pessoas em quem pode confiar para contar algo que não a faça sentir-se bem. A revelação é muito difícil para uma criança ou jovem e está envolta de medo, vergonha e culpa que podem ser impostos pelo abusador para evitar que a criança revele o abuso.
O acesso à Internet e a eventuais sites ou contactos que signifiquem perigo deve ser tema de conversa aberta em família e na escola proporcionando uma navegação segura.
É preciso que as crianças percebam que as mensagens de natureza sexual, as ameaças, a chantagem e a tentativa de contacto de um desconhecido são atitudes que sinalizam perigo e precisam ser reveladas.
Para alguns pais é difícil falar com os filhos sobre questões que tocam a sexualidade porque acham que devem falar sobre conteúdos sexuais explícitos, quando na verdade não se trata de nada disso.
É hora de quebrar tabus e, de uma forma lúdica com os mais novos e directamente com os mais velhos, dotá-los de competências para protegerem-se e definirem os seus limites.