“Especialista em desinformação” israelita reclama ter interferido com sucesso em 27 eleições presidenciais
Empresa já terá manipulado resultados eleitorais em países da Europa, dos EUA, de África e da América Central e do Sul, revela investigação de um consórcio internacional de jornalistas.
Chama-se Tal Hanan e é um ex-operacional das forças especiais israelitas de 50 anos conhecido pelo pseudónimo “Jorge”. Apresenta-se como “especialista em desinformação” e a unidade que dirige – nome de código “Team Jorge” – reclama ter sido chamada a interferir em 33 campanhas presidenciais nos últimos 20 anos. Abordado por três jornalistas a pretexto de o quererem contratar para adiar eleições num país instável de África, disse que os serviços da sua “Team Jorge” custam entre 6 e 14 milhões de euros.
“Actualmente estamos envolvidos numa eleição em África… Temos uma equipa na Grécia e uma nos Emirados… Sigam as pistas”, afirmou o empresário numa série de conversas por videochamada e num encontro na sede da sua unidade ou equipa, um escritório sem identificação num parque industrial em Modi’in, a 30 quilómetros da cidade israelita de Telavive, descreve o jornal The Guardian, um dos 30 media envolvidos no projecto “Disinfo black ops”, ou operações de desinformação secretas.
“[Completámos] 33 campanhas presidenciais, tivemos êxito em 27 delas”, assegurou Hanan nas conversas com os jornalistas (da Radio France e dos jornais israelitas Haaretz e TheMarker). Afirmando ter estado envolvido em dois “grandes projectos” nos Estados Unidos, diz que nunca interferiu directamente na política norte-americana. Mas Hanan trabalhou várias vezes com a Cambridge Analytica – a consultora britânica caída em desgraça depois de ter sido acusada de usar informações de milhões de utilizadores do Facebook para interferir em campanhas eleitorais em todo o mundo, incluindo na que deu a vitória a Donald Trump, em 2016.
Nas suas palavras, a equipa “Jorge” é formada por “graduados de agências governamentais” com experiência em finanças, redes sociais, campanhas e “guerra psicológica” e funciona a partir de seis escritórios em diferentes países. Para além do próprio, nas reuniões com os jornalistas do consórcio estiveram quatro pessoas, incluindo Zihar Hanan, seu irmão, apresentado como director executivo da organização.
Algumas das operações de desinformação que Hanan terá dirigido passaram pela empresa israelita Demoman International, detalham os textos dos diários The Guardian e El País publicados esta quarta-feira. A Demoman está registada no Ministério da Defesa de Israel como empresa de promoção das exportações de defesa, e, segundo documentos internos da companhia, está presente em Telavive, Washington e Barcelona.
Foi precisamente em Barcelona que a “Team Jorge” realizou uma operação que Hanan apresentava em Julho como um dos seus sucessos: o ataque de três dias contra os sites da Generalitat (governo regional catalão) durante o referendo independentista de 2014 (9-N) que lançou o caos nos serviços de emergência médicos e nas linhas de apoio da polícia da Catalunha.
O ciberataque na Catalunha surge numa apresentação preparada para oferecer os serviços da unidade junto a um mapa de um ataque de denegação de serviço (DDoS, Distributed Denial of Service, na sigla inglesa), que consiste em sobrecarregar uma rede de computadores com informação até a paralisar – técnica que o Centro de Segurança de Informação da Catalunha diz ter sido usada no 9-N, escreve o El País. Outro exemplo apresentado mostra como foram pirateadas cinco contas de Gmail e de Telegram de próximos de William Ruto, eleito em Agosto para a presidência do Quénia, numas eleições contestadas e marcadas por acusações de fraude.
No mesmo vídeo, e ainda em relação à Catalunha, Hanan reivindica ter passado aos media documentos sobre as alegadas ligações entre o movimento independentista catalão e os terroristas do Daesh, um vínculo nunca provado que originou várias notícias falsas.
Também de acordo com o diário espanhol, um dos 12 profissionais da Demoman International é um ex-militar espanhol que participou em operações no Afeganistão e tem experiência a desactivar explosivos da ETA.