Professores deram notas mais altas quando exames deixaram de ser obrigatórios

Estudo da DGEEC mostra uma tendência de subida das notas internas dos alunos nos anos da pandemia, o que mostrará que estas pouco dizem sobre a “real aprendizagem dos alunos”, alerta investigador.

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Notas internas subiram nos anos em que os exames deixaram de ser obrigatórios para acabar o secundário Nelson Garrido

Os primeiros dois anos de pandemia são também a altura em que as notas dadas pelos professores do ensino secundário subiram. É uma das conclusões que ressalta de uma análise feita pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) às classificações internas (notas dadas pelos professores) nos cursos científico-humanísticos do ensino secundário entre 2017/2018 e 2020/2021. Foram avaliadas cerca de 470 escolas públicas e perto de 107 colégios, abrangendo mais de 90% dos estudantes inscritos no 11.º e 12.º no ensino público (95%) e no privado (93%).

Seja qual for o tipo de disciplina (trienal, bienal ou anual), o resultado é o mesmo. Tanto nas escolas públicas, como nos colégios, as médias das classificações internas deram um pulo quando, em virtude da pandemia, os exames nacionais deixaram de ser obrigatórios e o cálculo da média de acesso ao superior passou a contar apenas, da parte do ensino secundário, com as notas internas. Este pulo aconteceu mesmo com as escolas fechadas e o recurso ao ensino à distância.

Nas disciplinas trienais, ministradas nos três anos do secundário e que tinam antes exame nacional, as médias no público subiram de 14,1 em 2017/2018 para 14,9 em 2020/2021 (numa escala de 0 a 20 valores) e no privado passaram de 15,8 para 16,6. Nas disciplinas bienais (10.º e 11.º com exame final), a variação no público foi de 13,8 para 14,5, enquanto no privado as médias subiram de 15,6 para 16,1. Já nas disciplinas anuais do 12.º ano (opcionais e sem exame), passaram de 16,8 para 17,1 nas escolas públicas e de 18,1 para 18,5 nos colégios.

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“Tudo — desde o senso comum à literatura internacional produzida sobre o impacto da pandemia — nos leva a acreditar que os alunos terão sido fortemente prejudicados nas suas aprendizagens durante a pandemia (que neste estudo abarcou os dois últimos anos de análise: 19/20 e 20/21). Ou seja, exactamente o contrário do que esta análise da evolução das notas internas mostra (uma subida). Talvez a conclusão mais sólida a tirar deste estudo diga respeito à fragilidade das notas internas enquanto indicador das reais aprendizagens dos alunos”, frisa o investigador Gil Nata, que tem analisado a inflação das notas no ensino secundário.

Ter 19 ou 20 valores numa disciplina do ensino secundário pode ser considerado um triunfo, mas o que dizer quando estas notas máximas são dadas, pelos respectivos professores, a todas as disciplinas? Em 2020/2021 foi o que aconteceu em 36 dos 105 colégios cujas notas foram analisadas pela DGEEC. Nestas 36 escolas, 38% dos alunos conseguiram esse “feito” e outros 48% tiveram 19 ou 20 valores a pelo menos uma disciplina.

No estudo agora divulgado, a DGEEC frisa que as situações de “classificações mais extremas” devem ser averiguadas de modo a perceber-se qual a sua “relação com o real nível escolar dos alunos”. Em causa estão, sobretudo, 38 colégios e duas escolas públicas. Gil Nata alerta, a propósito, que “a análise apresentada não nos permite perceber se a inflação das notas aumentou ou não com a retirada dos exames. Até porque a medição da inflação (como foi feita até agora, quer por nós, quer pelo Ministério da Educação) exige no seu cálculo a nota do exame”. Trata-se do chamado indicador de alinhamento das classificações, em que a DGEEC fazia uma comparação entre as notas internas dos alunos e os resultados em provas nacionais.

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Os 38 colégios e as duas escolas públicas seleccionadas não esgotam a realidade detectada. Por exemplo, no que respeita às escolas públicas, 236 das 475 analisadas em 2020/2021 atribuíram classificações internas médias entre os 19 e os 20 valores a pelo menos uma disciplina. O mesmo aconteceu com 88 dos 105 colégios analisados nesse ano.

Mas para se inteirar quanto ao peso real desta prática, a DGEEC estreitou os critérios e reteve apenas, para cálculo das situações "mais extremas”, as escolas (públicas e privadas) onde 30% ou mais dos seus alunos tiveram 19 ou 20 valores a pelo menos uma disciplina, em pelo menos dois anos lectivos. E que tivessem mais de 24 alunos no secundário em cada um dos anos que tal aconteceu. Passaram nesta ponderação os 38 colégios e duas escolas públicas já referidos.

Disciplinas anuais vão valer menos

Em comum entre estas privadas e públicas, há a registar o facto de as disciplinas anuais do 12.º ano (opcionais e não sujeitas a exame) estarem em absoluta maioria entre as classificadas com as notas máximas. São também estas as disciplinas que têm médias de classificação interna mais elevadas no universo total das escolas objecto deste estudo da DGEEC.

Segundo a DGEEC, para o predomínio das disciplinas anuais do 12.º ano no lote das mais cotadas contarão, entre outros factores, a “importância das classificações internas destas disciplinas no concurso nacional de acesso ao ensino superior” e a “ausência nestas disciplinas do referencial de avaliação fornecido pelo exame nacional, permitindo comparar as classificações internas com as externas e detectar desvios superiores ao expectável”.

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A DGEEC recorda, a propósito, que para o cálculo da classificação final do secundário, os resultados dos alunos em cada disciplina anual do 12.º ano “têm o mesmo peso que a classificação a uma disciplina bienal ou trienal. Mas este é um padrão que está para acabar, já que com o novo modelo de acesso ao ensino superior, anunciado na semana passada pelo ministro da Educação, João Costa, as disciplinas passarão, a partir de 2025, a ter um peso diferente no cálculo da classificação final do secundário.

Segundo Gil Nata, esta mudança “trará, em princípio, algum abaixamento das médias finais, uma vez que as notas mais altas são das disciplinas anuais e as menos das bienais”. “Mas, mais importante, na nossa opinião, é que as alterações introduzidas (menos exames e com maior possibilidade de escolha) trazem um custo. Se, por um lado, se poderá defender que é positivo para os alunos aumentar o seu grau de escolha (na realização dos exames), também é verdade que perdemos capacidade de leitura sobre o sistema e o seu funcionamento, designadamente em termos da inflação de notas, mas também da sua equidade em geral”, alerta ainda este investigador.

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