Jovens retiram tempo à família, ao sono, e ao exercício para estarem online

O perfil do utilizador com dependência online severa tem entre os 16 e os 21 anos, é homem, frequenta o secundário, não pratica exercício físico e tem um rendimento escolar mais baixo.

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Mais de 90% dos jovens têm acesso a ecrãs durante a noite no quarto Paulo Pimenta

A maioria dos jovens inquiridos num estudo sobre os comportamentos de risco na internet retira tempo a estar com a família, a socializar, ao sono, a namorar ou a fazer exercício para ter mais tempo para o mundo online.

Os dados do inquérito revelam que 93,3% dos jovens têm acesso a ecrãs durante a noite no quarto e 54,9% costumam utilizar diariamente a tecnologia imediatamente antes de dormir ou até adormecer, o que, segundo a psicóloga e investigadora do Instituto Universitário (Ispa) Ivone Patrão tem impacto na “higiene do sono” e na concentração e atenção no dia ou nos dias seguintes durante as aulas.

O uso da Internet também afecta a alimentação, com 73,8% dos jovens a admitirem fazer refeições ou snacks enquanto estão no computador ou no telemóvel, sendo que os alimentos mais consumidos são doces (54,9%), lacticínios (33,4%) e salgados (37,8%), refere o estudo, salientando ainda que 54,7% dizem não praticar actividade física.

A coordenadora do projecto Geração Cordão, Ivone Patrão, que realizou o estudo em parceria com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, diz que estes dados são sinais preocupantes e alerta para os efeitos adversos que estas situações podem ter a médio e longo prazo.

A partir dos dados, os investigadores fizeram “um perfil de risco” que enumera as características associadas aos jovens com dependência online severa, com um impacto negativo para a sua saúde física e mental, disse à Lusa a coordenadora do estudo, que decorreu durante o ano de 2020 e visou avaliar o impacto do uso da internet na saúde mental, numa amostra de 344 jovens portugueses entre os 12 e os 30 anos, com uma média de idades de 21 anos.

Utilizador com dependência é homem entre os 16 e os 21 anos

O perfil do utilizador com dependência online severa tem entre os 16 e os 21 anos, é homem, com frequência do secundário, começou no mundo online aos oito anos, não pratica exercício físico, tem um rendimento escolar mais baixo, não namora, está mais de seis horas diárias na internet, envia e recebe dados íntimos (sexting), joga online e é vítima ou agressor (cyberbullying).

A investigadora salientou que são jovens em que as suas 24 horas do dia estão muito entregues ao mundo online, não havendo um equilíbrio com o mundo offline em termos de actividades.

No caso da alimentação, exemplificou, privam-se de estar nas refeições com a família para estarem entregues à tecnologia.

“Estas três áreas, a alimentação, o sono e o exercício físico, que são tão importantes para a nossa saúde, são áreas em que deveremos apostar junto dos jovens nas actividades offline para promover um melhor bem-estar nestes jovens”, defendeu.

Quase 47% dos jovens admitem utilizar o telemóvel mais de 31 vezes ao dia, a maioria para estar nas redes sociais, principalmente no Instagram (92,7%), seguido do Tik Tok (51,2%) e do Facebook (46,6%).

“O mundo online tem muitos aliciamentos, muito entretenimento, tem muito que se pode fazer e pesquisar à distância de um clique, e tem um grande cariz de socialização” ao estarem a jogar com outros utilizadores. Contudo, 41,3% dos jovens disse que já teve pelo menos um episódio de desconforto online e uma grande percentagem diz que não partilhou esta situação com ninguém.

Dois terços dos inquiridos admitiram que alguém os tratou de maneira ofensiva ou desagradável (ciberbullying), 82,8% disseram ter falado com alguém que não conheciam pessoalmente e 59,8% referem ter tendência para estar online quando têm problemas emocionais.

Mais tempo online gera menos empatia

Segundo a psicóloga, o que se verificou neste contexto de socialização é que os jovens não estão a desenvolver uma forma de estar online “respeitadora de regras sociais” como existem no mundo presencial.

“Percebemos que quem pratica este tipo de socialização e comportamento online acaba por ter alterações no seu estado de humor, mais baixa empatia pelo que o outro sente, pelo que o outro necessita”, sublinhou.

Por outro lado, a percepção que os jovens têm da supervisão dos pais é que não estão a impor regras rígidas relativamente ao uso da internet e que as regras são feitas por eles, um dado que Ivone Patrão disse constituir “um alerta importante para os pais”.

“Para jogarmos um jogo de futebol precisamos de balizas e aqui também precisamos de balizas. Precisamos de regras bem definidas relativamente ao sono, às horas das refeições, aos conteúdos, aos tempos online”, defendeu, frisando que “não há uma regra uniforme para todos”.

A investigadora ressalvou que não pretendem “diabolizar a tecnologia nem a internet”, defendendo que “o caminho deve ser a introdução das tecnologias cedo, mas com muita sensibilização junto de pais e professores para os tempos de tecnologia e os conteúdos adequados à idade”.