Andrew Tate transformou mulheres em escravas sexuais, diz acusação

As alegações e mensagens estão incluídas num documento do tribunal, datado de 30 de Dezembro, que ainda não tinha sido divulgado e ao qual a Reuters teve acesso.

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Andrew e Tristan Tate escoltados pela polícia à saída do tribunal Reuters/INQUAM PHOTOS

A jovem moldova pensava que era amor. Afinal, o britânico Andrew Tate ofereceu-lhe uma nova vida, falou sobre casarem e pediu-lhe uma única coisa, lealdade absoluta. O influencer com milhões de seguidores nas redes sociais, convidou-a a juntar-se a ele na Roménia — “Nada de mal te acontecerá", tranquilizou-a a 9 de Fevereiro do ano passado. “Mas tens de estar do meu lado.”

As dezenas de mensagens trocadas entre a mulher da Moldávia e o britânico, pela rede WhatsApp, são citadas pelos procuradores romenos que alegam que o ex-concorrente da versão britânica do reality show Big Brother traficava e explorava sexualmente várias mulheres.

No mês seguinte, os procuradores romenos dizem que Tate violou a mulher duas vezes, na Roménia, enquanto procurava alistá-la numa operação de tráfico de seres humanos centrada em fazer pornografia para a plataforma online OnlyFans, um site que permite às pessoas venderem vídeos explícitos de si próprias.

As alegações e mensagens estão incluídas num documento do tribunal, datado de 30 de Dezembro, que ainda não tinha sido divulgado e ao qual a Reuters teve acesso. Este pinta o quadro mais detalhado do negócio ilícito alegadamente gerido por Tate, um antigo campeão mundial de kickboxing, e pelo seu irmão Tristan.

Os documentos vieram a público na sequência da detenção dos irmãos, a 29 de Dezembro, sob a acusação de formação de um grupo de crime organizado para explorar mulheres sexualmente.

Andrew Tate, 36 anos, que desde 2017 vive sobretudo na Roménia, e o seu irmão Tristan, de 34 anos, negaram todas as acusações. A Reuters não conseguiu contactá-los para comentários. Em resposta, o advogado Eugen Vidineac disse que não podia “confirmar ou negar publicamente informações sobre o caso enquanto a investigação está a decorrer”. A unidade anti-crime organizado da Roménia também disse que os seus procuradores não podiam “comentar a investigação”.

Os irmãos usaram o logro e a intimidação para colocar seis mulheres sob o seu controlo e “transformá-las em escravas”, afirmam os procuradores no documento. O ficheiro de 61 páginas, produzido por funcionários do tribunal de Bucareste, inclui actas de uma audiência quando um juiz prolongou a detenção dos irmãos por existirem mais provas apresentadas pela acusação.

De acordo com os documentos do tribunal, o advogado de defesa disse que as “alegadas” vítimas não foram “maltratadas”, mas “viveram à custa dos famosos [irmãos] Tate”. E acrescenta: “Estavam contentes e ninguém as obrigava a fazer estas coisas.”

No mesmo documento, Vidineac reconhece que Andrew Tate e a mulher moldava tiveram relações sexuais, mas disse que o sexo foi consentido e acusou-a de inventar as alegações de violação.

A Reuters não conseguiu corroborar de maneira independente a versão dos acontecimentos fornecida pelos procuradores ou pelo advogado de defesa, e não conseguiu contactar as seis mulheres mencionadas no documento.

A 11 de Janeiro, duas das mulheres disseram à estação de televisão romena Antena3 que “não são vítimas e que os Tates estão inocentes”. A estação identificou-as apenas pelos primeiros nomes, Beatrice e Iasmina. “Não podem listar-me como vítima se eu disser que não sou uma”, declarou Beatrice. As outras quatro mulheres, incluindo a moldava, não comentaram publicamente o caso.

Os irmãos e a plataforma Onlyfans

As alegações com que Tate se defrontou colocaram um foco intenso num homem que se declarou misógino, que construiu uma base de fãs online, particularmente entre os rapazes, promovendo uma imagem luxuosa e de hiper-macho ao conduzir carros rápidos e namorar mulheres bonitas.

Em 2022, era a oitava pessoa mais pesquisada no Google, superada apenas por figuras como Johnny Depp, Will Smith e Vladimir Putin, de acordo com a análise da empresa do motor de busca.

Os procuradores dizem que os Tate controlavam as vítimas, contas e rendimentos da plataforma OnlyFans, no valor de dezenas de milhares de euros, sublinhando as preocupações entre alguns grupos de direitos humanos sobre o potencial para a exploração das mulheres em plataformas como aquela.

A Reuters não pôde verificar a existência das contas OnlyFans das alegadas vítimas. A OnlyFans, sediada no Reino Unido, tem 150 milhões de utilizadores que pagam mensalmente a "criadores" quantias variáveis pelo seu conteúdo, muito do qual erótico ou pornográfico, mas também em áreas como o exercício físico e a música.

A empresa, cujos 1,5 milhões de criadores podem ganhar qualquer coisa que varia entre as centenas e as dezenas de milhares de dólares por mês, diz no seu site que é "a plataforma de media digital mais segura". Foi fundada em 2016 e cresceu rapidamente durante a pandemia de covid-19.

Sue Beeby, porta-voz da plataforma, disse à Reuters que Andrew Tate "nunca teve" uma conta de criador ou recebeu pagamentos. Acrescentou que a OnlyFans o tem estado a monitorizar desde o início de 2022 e tomou "medidas pró-activas" para o impedir de publicar ou rentabilizar conteúdo, sem se debruçar sobre as razões do escrutínio ou as medidas tomadas.

Acrescentou ainda que os criadores, no seu conjunto, foram submetidos a extensos controlos de identificação e que todo o conteúdo foi revisto pela plataforma, que trabalhou em estreita colaboração com as autoridades policiais. Eugen Vidineac recusou-se a comentar sobre as medidas tomadas pela OnlyFans em relação a Tate.

Modus operandi de Tate

A imagem de Andrew Tate tem sido alimentada por uma série de comentários controversos proferidos pelo próprio. Por exemplo, comparou as mulheres a cães e disse que elas têm alguma responsabilidade por serem violadas.

Por comentários como estes, no ano passado, foi banido das redes sociais Facebook, Instagram e outras plataformas líderes dos meios de comunicação social no ano passado.

Um porta-voz da Meta disse que Tate foi banido em Agosto de 2022 das suas plataformas Facebook e Instagram por violar as suas políticas, que proíbem "o ódio baseado no género, quaisquer ameaças de violência sexual, ou ameaças de partilha de imagens íntimas não consensuais".

Num podcast, Andrew Tate disse, em 2021, que tinha iniciado um negócio de vídeos na Grã-Bretanha, que tinha atingido o seu pico, com 75 mulheres a trabalhar para ele, a ganharem 600.000 dólares (cerca de 550 mil euros) por mês, uma soma que a Reuters não conseguiu confirmar. Nesse programa, não avançou informação sobre o que faziam as mulheres para ganhar esses valores.

Até ao mês passado, o seu site oferecia um curso, que custava mais de 400 dólares (365 euros), e que prometia ensinar "cada passo para construir uma rapariga que seja submissa, leal e apaixonada por si".

"Essa é a minha capacidade, para que as mulheres se apaixonem por mim de forma extremamente eficaz", dizia no site. Entretanto, as páginas sobre o curso foram retiradas, em Janeiro.

Num vídeo no YouTube, destinado a homens que querem ganhar dinheiro colocando mulheres no OnlyFans, Tate chamou à plataforma "a maior agitação do mundo". A data original do vídeo, que foi descarregado várias vezes, não é clara.

No documento do tribunal, o advogada de defesa disse que a persona online de Tate era uma "personagem virtual" construída para ganhar seguidores e ganhar dinheiro, e não tinha "nada a ver com o homem real".

A conta de Tate no Twitter, reintegrada em Novembro, um mês após o multimilionário Elon Musk ter comprado a plataforma, defende a sua inocência, junto dos seus 4,8 milhões de seguidores. "Prenderam-me para 'procurar' provas... que não encontrarão porque não existem", escreveu numa publicação datada de 15 de Janeiro.

Americana com medo

Foi no Instagram, em Janeiro de 2022, que Andrew Tate conheceu a mulher moldava virtualmente, antes de se encontrarem em Londres no mês seguinte. Em Março, a mulher estava na Roménia, revelam os procuradores, no documento do tribunal, que inclui a troca de mensagens por WhatsApp, entre 4 de Fevereiro e 8 de Abril.

A 11 de Abril passado, as autoridades invadiram uma das propriedades dos Tate, em Bucareste, por suspeita de que uma mulher americana estivesse lá retida contra a sua vontade.

Segundo os procuradores, a mulher americana, outra das alegadas seis vítimas, conheceu Tristan Tate online em Novembro de 2021, depois pessoalmente em Miami no mês seguinte. Dizem que ele a atraiu para a Roménia expressando "sentimentos falsos" por ela e prometendo uma relação séria, pagou-lhe o bilhete de avião e disse que poderia ajudá-la a ganhar "100 mil por mês" na OnlyFans.

Tristan Tate foi buscá-la ao aeroporto de Bucareste, num Rolls-Royce, a 5 de Abril de 2022, e levou-a para sua casa, onde tinha dois guardas armados, diz o documento do tribunal.

O irmão mais novo de Andrew disse-lhe que ela não era uma prisioneira, mas que os guardas não a deixariam sair sem a sua permissão, justificou que era perigoso sair "porque ele tinha inimigos".

Havia câmaras em toda a casa, que Tristan Tate monitorizava remotamente, descrevem os promotores. Uma vez, o homem enviou uma mensagem à mulher para informá-la que podia ver onde é que ela estava e o que estava a fazer.

Quando ela se mudou para outra casa com quatro das "namoradas" de Andrew Tate, foi-lhe permitido sair, mas apenas se acompanhada por outras mulheres, continuam os procuradores, acrescentando que ela tinha "muito medo" dos irmãos.

No documento, o advogado de Tate disse que a mulher americana tinha um telemóvel, acesso à Internet e a liberdade de sair de casa à sua vontade. A mulher não falou publicamente sobre o caso.

A 15 de Janeiro, os procuradores romenos disseram que como parte da sua investigação tinham confiscado bens no valor de quase quatro milhões de dólares, incluindo uma frota de carros de luxo, estacionados no complexo de Andrew Tate, nos arredores de Bucareste.

Conteúdo sexual

A detenção dos irmãos Tate, juntamente com duas mulheres romenas acusadas de trabalharem para eles, foi prorrogada até 27 de Fevereiro. Na quarta-feira, o seu recurso contra essa detenção foi rejeitado pelo tribunal. Enquanto a investigação estiver em curso, um juiz pode ordenar a sua detenção por um período máximo de 180 dias, o que significa que poderá prolongar-se até finais de Junho.

As alegadas cúmplices dos irmãos, Georgiana Naghel e Luana Radu, controlavam as contas da OnlyFans e do TikTok das seis vítimas. De acordo com o documento do tribunal, a dupla ameaçou espancar as mulheres se estas não fizessem o seu trabalho.

Naghel e Radu negaram todas as acusações contra elas. Vidineac, que também representa Naghel, e o advogado de Radu disseram que não podiam comentar o caso.

O TikTok disse que Andrew Tate foi banido da sua plataforma, e que tinha estado a tomar medidas contra vídeos e contas relacionadas com ele que violavam a sua proibição contra "conteúdo de exploração sexual". A empresa recusou-se a acrescentar mais informação, escudando-se na investigação que continua em curso na Roménia.


Notícia de Luiza Ilie, Octav Ganea e Andrew R.C. Marshall