Seis ideias para desconstruir a ideia romântica da maternidade
Por vezes, os pais sentem-se isolados e podem até sentir vergonha porque imaginam que são os únicos a passar pela gravidez e maternidade.
Ana,
Não consigo deixar de achar graça — e até a comover-me — com os comentários dos pais e mães apaixonados pelos seus primeiros bebés, estupefactos com a intensidade do que sentem.
Oiço-os na rádio, nos podcasts e nas redes sociais, e constato-o entre filhos de amigos, e fascina-me esse poder superlativo da ocitocina. Às vezes dá-me para rir, não é um riso de troça é só de divertimento pelo ar ufano com se mais ninguém no planeta tivesse alguma vez sentido o mesmo. O poder dos bebés é extraordinário. Sinto-o, por exemplo, de cada vez que oiço a voz meiga com que os pais procuram sossegar um bebé que não os deixa dormir e, objectivamente, lhes aplica impunemente a tortura do sono.
Mas há, no entanto, qualquer coisa nesta surpresa dos pais que me desinquieta — temo que da mesma maneira que são apanhados desprevenidos na intensidade do amor, também possam ser igualmente surpreendidos pelas emoções negativas que, inevitavelmente, acompanham o nascimento e os primeiros tempos da chegada de um filho. Aquelas que, ainda por cima, são mais caladas, de que poucas vezes se fala.
Quando vocês nasceram, eu já tinha ajudado a criar 11 sobrinhos, noites incluídas, como acontecia a quase toda a gente, sobretudo a quem pertencia a fratrias grandes — os teus tios mais velhos, por exemplo, tinham tido cinco ou seis irmãos mais novos com quem treinar. Ou seja, chegávamos a pais mais avisados. E, suspeito, menos sozinhos. O que te parece?
Querida Mãe,
Parece-me que tem razão, com a agravante de que leram tantos livros que não percebem como podem ter sido tão surpreendidos pela realidade da maternidade. O problema é que não há teoria que substitua a prática. E se é verdade que mesmo pais que tenham criado irmãos ou sobrinhos, e até pais que já têm outros filhos, ficam surpreendidos com as diferenças entre cada bebé e como as experiências podem mudar, para os pais com pouco contacto anterior com crianças, e que ainda para mais estão sozinhos, pode ser avassalador.
Sentem-se isolados e podem até sentir vergonha, porque imaginam que são os únicos a passar por isto. Para as mães, principalmente, a sensação de amarmos os nossos filhos, mas, durante uns momentos, “já não aguentarmos mais” pode ser muito culpabilizante, quando é perfeitamente normal.
É urgente desconstruir a ideia romântica da gravidez e da maternidade — e é esse um dos objectivos destas birras! Deixo aqui seis experiências que podem ser muito diferentes das que vemos nos filmes!
#1 A gravidez
Nem sempre é um estado de graça. Para mim, por exemplo, foi como ser enfiada num barco para fazer uma travessia de nove meses, sempre enjoada, e sem nenhuma forma de escapar!
As mudanças do corpo, as noites mal dormidas, as borbulhas e as hormonas, tudo junto, podem deixar-nos sem ar. O “ódio” às grávidas felizes, e que viviam nove meses de euforia, enchia-me de culpa. O que me valia era sentir o bebé a mexer — a sensação mais incrível do mundo, ainda que estranha.
#2 Parto
Não, não é mesmo nada provável que rebentem as águas no supermercado, muito menos que o parto aconteça dez minutos depois, assistido pela senhora da caixa. A colectânea de histórias que insistem em contar-nos sobre o parto em nada apaziguam a nossa ansiedade, aliás é difícil navegar tanto as histórias sinistras como as incríveis. Cá por mim, voltava-se a dizer apenas ao “espero que tenhas uma hora pequenina”, e pronto.
#3 Amamentação
O início é difícil! Precisamos de apoio e de incentivos. Não vemos ninguém a dar de mamar, não temos referências, por isso temos de aprender tudo do princípio. Há leite por todo o lado e a ansiedade sobre se o bebé está de facto a comer é gigantesca. Mesmo para as mães experientes é necessário um tempo de adaptação. Felizmente há muita ajuda, e se as coisas não estão a correr bem, ou como sonhávamos, é fundamental recorrer a ela sem complexos.
#4 Bebés
Sabe que os bebés precisam da mãe para tudo, todo o tempo, certo? Errado! Até viver 24 horas com um bebé colado a si, que se recusa a deixar que o pousemos, achamos que o “precisar de nós” é só de vez em quando. Sentimentos de claustrofobia, desespero, amor ilimitado, calma e irritação, tudo ao mesmo tempo, são frequentes!
#5 Dormir
Não dá para dormir sempre que o bebé dorme. É um conselho bonito, mas muito pouco prático, principalmente se já tiver outros filhos!
#6 Saúde mental
Qualquer vulnerabilidade — ansiedade, depressão, perturbação obsessiva compulsiva —, pode agravar-se muito no pós-parto, mas ainda pode ser desvalorizado como “normal” já que é uma fase difícil para a maior parte das mães. É preciso que a mãe e as pessoas que a rodeiam estejam atentas, e peçam ajuda profissional caso seja necessário.
E não, uma mãe que tenha problemas de saúde mental não é uma má mãe, é um ser humano.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.