Polícia usa apps de encontros para aliciar e prender pessoas LGBT no Egipto

Documentário da BBC relata como as autoridades egípcias usam as mesmas tácticas dos criminosos, chegando a criar perfis falsos com imagens adulteradas para falsificar provas.

Foto
Polícias e criminosos usam os mesmos estragemas para perseguir pessoas através de aplicações REUTERS/Aly Song/Illustration

A homossexualidade não é explicitamente criminalizada no Egipto, mas isso não impede a polícia egípcia de investigar pessoas LGBT que muitas vezes acabam por ser acusadas de “deboche”, um crime previsto numa lei contra trabalhadores do sexo. Numa sociedade onde o preconceito é gigantesco – e usado por grupos criminosos que recorrem à chantagem, ameaçando tornar pública a orientação sexual das suas vítimas – e é quase impossível conhecer pessoas em público, as apps de encontros são muito populares. A emissora britânica BBC revela como as autoridades usam estas aplicações para perseguir e deter pessoas.

Na sua investigação, o jornalista Ahmed Shihab-eldin teve acesso a transcrições incluídas em relatórios policiais que mostram como os agentes usam as apps “para procurar, e, em alguns casos, fabricar provas, contra pessoas LGBT à procura de encontros online”, iniciando conversas “com os seus alvos”. Num exemplo que surge no texto que acompanha o documentário de 47 minutos (em Portugal pode ser visto no canal YouTube da emissora), um polícia insiste para que uma pessoa aceite marcar um encontro – essa pessoa foi depois detida.

Este caso aconteceu na app WhosHere, que a BBC diz ser particularmente vulnerável, permitindo aos piratas informáticos encontrarem informações sobre os utilizadores. Independente da orientação sexual ou identidade de género, usar aplicações como a WhosHere ou Grindr pode ser usado como pretexto para prender uma pessoa com base nas leis de “devassidão” ou “moralidade pública”, explica Shihab-eldin.

Foi o que aconteceu com um estrangeiro, que o documentário identifica como Matt, que acabou por ser preso, acusado de “devassidão”, e depois deportado.

Mas são muitos os casos em que polícias ou informadores tentam pressionar aqueles que apenas procuram conhecer pessoas a concordar em aceitar dinheiro por sexo, conseguindo assim reunir informações para as acusar. Uma vítima, Laith, conta ter sido contactado a partir do número de telefone de um amigo, com um convite para beber um copo. À sua espera estavam polícias que o prenderam e ter-lhe-ão criado um perfil falso na WhosHere, alterando digitalmente fotos suas. “Foi a única vez na minha vida em que tentei matar-me”, conta Laith, que diz ter sido pressionado a “dar informações sobre outras pessoas gay que conhecesse”.

As mesmas tácticas são usadas por criminosos: a BBC ouviu dezenas de relatos de pessoas visadas por diferentes gangues, incluindo várias vítimas de um duo, Bakar e Yehia, bem conhecido da comunidade LGBT no país. Num vídeo que se tornou viral há uns anos, duas das suas vítimas, identificadas como Leila e Jamal, são obrigadas a despirem-se e a dançarem enquanto os atacantes lhes batem, antes de as ameaçarem com uma faca, forçando-as a dizerem os seus nomes completos e a admitirem ser gay.

Na maioria das vezes, esses vídeos são depois partilhados através do WhatsApp, YouTube ou Facebook.

No vídeo de outro ataque de Bakar e Yehia, um gay de 18 anos é obrigado a dizer que é um trabalhador do sexo, o que não é verdade. O jovem contou a Shihab-eldin que a família se afastou dele quando recebeu o vídeo, enviado numa tentativa de lhes extorquir dinheiro. “Tenho sofrido de depressão depois do que me aconteceu, com os vídeos a circularem por todos os meus amigos no Egipto. Não saio nem tenho telefone”, descreve. “Antes, ninguém sabia nada sobre mim.”

Saeed (assim identificado no trabalho da BBC) diz que ainda considerou levar o caso a tribunal, mas foi desaconselhado pelo advogado, que lhe explicou que “a sua sexualidade seria percepcionada como um crime maior do que o ataque que sofreu”.

Os media egípcios estão proibidos de cobrir estes temas desde 2017, quando foi imposto um blackout à representação de pessoas LGBT, a não ser que a cobertura “assuma o facto de a sua conduta ser desapropriada”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários