Receita para criar o futuro envolve computação quântica, Inteligência Artificial e blockchain
Olhar para as grandes tendências de futuro sem as correlacionar é muito limitativo. O futuro será desenhado pelas sinergias de várias áreas com desenvolvimento exponencial e paralelo.
Os pilares base da tecnologia podem dividir-se em hardware, software e serviços.
De uma forma muito simplificada, o hardware é a maquinaria física que permite que tudo funcione, tipicamente computadores, desde o nosso simples portátil ao complexo “mainframe” de algumas empresas. O software são os programas que correm nessa maquinaria, que vão desde as nossas ferramentas de processamento de texto ou envio de emails até sistemas sofisticados que garantam o funcionamento de enormes cadeias de valor ou transações de biliões de dados por dia. Por fim, os serviços estão relacionados com a capacidade humana de pensar estratégica e criativamente, gerando novos conceitos e modelos de negócio recorrendo às duas camadas anteriores de hardware e software.
Durante décadas este tem sido o mapa mental tecnológico, e nada deverá mudar nos próximos anos nestes três pilares, porém, o seu conteúdo está a ser totalmente alterado.
Ao nível do hardware a grande revolução passará pela computação quântica. A computação quântica deriva de um novo formato de computadores que em vez de utilizarem como base os sinais elétricos 0 ou 1 dos transístores tradicionais passam a poder usar os estados quânticos da matéria 0 e 1 em simultâneo (chamam-se “qubits” em vez de “bits”) controlando para isso o comportamento das componentes mais atómicas da matéria (como eletrões ou protões). Estes computadores não deverão substituir totalmente os atuais, dado que, apesar de serem mais rápidos, são desenhados para resolver problemas específicos longe dos convencionais do nosso dia-a-dia. São ainda muito caros, erram mais que os tradicionais e precisam de temperaturas extremamente baixas para trabalhar – incompatíveis, para já, com as necessidades do comum mortal.
A computação quântica não nos vai trazer apenas rapidez, vai principalmente trazer-nos a capacidade de resolver problemas adicionais aos que hoje conseguimos resolver com os computadores atuais. Esta será a imprescindível camada de hardware do futuro, uma camada que amplia a nossa capacidade de resolver problemas mais complexos como problemas de combinatória associados a cibersegurança, a encriptação de informação ou a pesquisa na área da química ou medicina. Parte destes problemas não conseguiriam ser resolvidos nem que os computadores atuais estivessem a pensar neles durante todo o tempo de existência do Universo.
Ao nível do software a grande alteração passa pela existência de uma camada de inteligência artificial, sistemas computacionais que resolvem problemas tipicamente dependentes de uma inteligência humana. Já foram dados passos muito significativos e hoje é uma realidade contar com soluções como reconhecimento facial e de fala, geração automática de textos, tradução automática, assistentes virtuais, automação de processos e até processos matemáticos mais profundos de exploração de dados como “machine learning”, na qual os computadores aprendem por si a resolver problemas sem terem sido explicitamente programados para essa resolução, ou ainda “deep learning”, casos específicos de “machine learning” que replicam a lógica cerebral humana através de redes neuronais artificiais.
Alguns casos extraordinários e que podem ser testados num telemóvel ou num computador comum são a geração de imagens através de texto da Midjourney, o enorme conjunto de ferramentas de edição de vídeo da Runway ou a capacidade da Soundraw de criar, em segundos, músicas inexistentes – nem tudo é ChatGPT, o produto tecnológico que mais depressa angariou um milhão de utilizadores.
Dentro de uma década poderemos criar um filme com qualidade 4K apenas com base em texto, filme esse com fluidez de imagem e som. Será possível dentro de poucos anos fazer “upload” para um site de qualquer livro da história da humanidade e ter infinitas versões de filmes baseadas nesse livro, de duração à escolha (por exemplo 20 minutos ou três horas), estilo à escolha (drama, comédia ou banda desenhada) e língua à escolha. Hoje já é possível a qualquer pessoa com um simples computador criar rostos perfeitos de pessoas que nunca existiram, criar músicas novas num minuto com base em gostos especiais ou editar vídeos de futebol onde o defesa desaparece e o atacante fica fora de jogo.
Por fim, ao nível da prestação de serviço à infraestrutura e criação de modelos de funcionamento e negócio, a resposta está na blockchain. Tal como a computação quântica e a inteligência artificial passam a permitir resolver problemas até hoje sem solução, também a blockchain permitirá criar regras de funcionamento e modelos de negócio até hoje não possíveis. Estas regras e modelos serão mais seguros, mais escaláveis e mais democráticos. Por exemplo, no futuro poderemos ser donos das nossas cocriações em conjunto com plataformas de inteligência artificial de músicas, imagens e vídeos, sem nos preocuparmos com as vendas em mercados secundários e sem perdermos os benefícios financeiros que entendermos ter. Poderemos ser donos, clientes e colaboradores de vários projetos em simultâneo num movimento que será também uma disrupção na forma de trabalhar.
Olhar para as grandes tendências de futuro de forma individual e sem as correlacionar é muito limitativo. O futuro será desenhado não pelo sucesso de iniciativas concretas, mas pelas sinergias criadas pela junção de várias áreas que estão com desenvolvimento exponencial e paralelo.
No passado foi assim com a eletricidade, a computação por transístores, os primeiros programas de computador e os modelos de venda da época, dificilmente acessíveis e focados em empresas. No presente é assim com a massificação de computadores portáteis e telemóveis, armazenamento de dados na nuvem e modelos de negócio mais individuais e acessíveis. O futuro será assim com computação quântica, inteligência artificial e blockchain a trabalharem em conjunto para desenharem uma arquitetura tecnológica e social mais promissora e resolverem problemas até hoje sem solução.
Os casos em que a computação e a Inteligência Artificial já ultrapassaram a capacidade humana são vários. As características cognitivas humanas conhecidas no século XX e primeira década do XXI foram suficientes para criar soluções que ultrapassem as suas limitações. No futuro seremos sempre seres menos inteligentes e criativos do que as soluções que conseguimos criar, seremos ultrapassados pela nossa própria capacidade. É extraordinário como enquanto civilização já conseguimos colocar as partículas mais elementares da matéria a trabalhar para nós e replicar a complexidade profunda das redes neuronais do nosso cérebro. O que mais se seguirá?