Ex-ministro de Bolsonaro preparou decreto presidencial para questionar resultados eleitorais

A polícia encontrou uma minuta de um decreto na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres para a instauração do estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral.

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Bolsonaro divulgou teses que punham em causa o sistema de votação brasileiro ADRIANO MACHADO / Reuters

Um esboço de um decreto presidencial para que fosse instaurado o estado de defesa e, potencialmente, reverter o resultado das eleições brasileiras foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que foi alvo de buscas pela Polícia Federal. O aliado de Jair Bolsonaro diz que o conteúdo do documento foi divulgado “fora do contexto”.

A minuta tem três páginas e serviria de esboço para um decreto que poderia vir a ser assinado por Bolsonaro após a segunda volta das eleições presidenciais, a 30 de Outubro, em que foi derrotado por Lula da Silva. O principal efeito do decreto seria a instauração do estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o objectivo de “apurar abuso de poder, suspeição e medidas ilegais adoptadas” pela cúpula do tribunal durante o processo eleitoral, cita a Folha de S. Paulo.

O estado de defesa está previsto na Constituição brasileira como um regime de excepção aplicado em locais específicos – no caso seria a sede do TSE em Brasília – com o objectivo de repor “a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. Com a sua aplicação, passam a estar restringidos vários direitos e liberdades, como a reunião ou o sigilo de correspondência e comunicações, para além de viabilizar detenções por crimes contra o Estado.

A instauração do estado de defesa é imediata após a assinatura presidencial, mas é necessário que o Congresso se pronuncie a favor ou contra a medida num prazo de 24 horas.

Anderson Torres, que na altura das eleições era ministro da Justiça, desvalorizou a importância do documento, que estaria pronto para ser “triturado oportunamente”. “No cargo de ministro da Justiça, deparamo-nos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição o discernimento de entender o que efectivamente contribui para o Brasil”, afirmou o ex-ministro, que se encontra actualmente nos EUA.

“O citado documento foi apanhado quando eu não estava lá e vazado fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas contra mim”, acrescentou.

As buscas à casa de Torres decorrem no âmbito das investigações à invasão das sedes dos três poderes em Brasília no último domingo. O ex-ministro tinha sido nomeado recentemente secretário da Segurança Pública do Distrito Federal e foi responsabilizado pela ausência de controlo da multidão que invadiu e vandalizou os edifícios.

Torres foi demitido do cargo logo na noite dos distúrbios e o juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes emitiu um mandado de detenção para que seja preso assim que regressar ao Brasil.

O âmbito de aplicação do estado de defesa – na sede do TSE – sugere que o objectivo final da medida seria a reversão dos resultados eleitorais ou a repetição das eleições. Durante meses, Bolsonaro e os seus aliados difundiram teses conspiratórias que punham em causa a lisura do processo eleitoral, sobretudo o recurso às urnas electrónicas.

Bolsonaro chegou a promover a mudança para o sistema de voto em papel, mas o Congresso bloqueou a iniciativa.

É improvável que a descoberta do esboço do decreto seja suficiente para alicerçar um caso contra Torres ou Bolsonaro por conspiração contra o Estado de direito, mas em conjunto com outras provas que venham a ser descobertas pode ser relevante.

"A minuta é um importante ‘problema a mais’ para Bolsonaro, piora juridicamente a situação, porque é um indício que não pode ser ignorado", explica a professora de Direito Penal Raquel Scalcon, citada pela Folha. "Mas que pode ser fortalecido ou arrefecido com os próximos capítulos", acrescenta.

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