Noma, ex-melhor restaurante do mundo, vai fechar
René Redzepi, chef do restaurante dinamarquês, justifica-se com a cultura de trabalho intenso e horas infindáveis da alta cozinha. Sistema atingiu ponto de ruptura, diz. “É insustentável.”
Ao fim de 20 anos, o restaurante Noma, eleito várias vezes o melhor restaurante do mundo, com três estrelas Michelin conquistadas em 2021, vai fechar portas ao serviço regular no final de 2024, anunciou o chef René Redzepi ao New York Times.
A partir de então, o restaurante dinamarquês transforma-se num laboratório gastronómico a tempo inteiro (uma componente já essencial da filosofia do Noma), desenvolvendo novos pratos e produtos para o Noma Projects, uma plataforma online focada "na comida, no carácter delicioso e na educação", lê-se no site, e que integra o lançamento de novos produtos (o primeiro chegou ao mercado no início de 2022), iniciativas de comunicação e programas ambientais. A sala de refeições do restaurante voltará a abrir portas a clientes mas só esporadicamente, em forma de pop ups periódicos, conta o NYT.
René Redzepi, também ele eleito melhor chef do mundo várias vezes (foi segundo nos prémios The Best Chefs no ano passado), passa a ser mais o director criativo de todo o universo Noma do que propriamente chef. Manter o modelo de fine dining moderno, que o próprio ajudou a criar ao longo dos anos no Noma, alicerçado num processo criativo e inovador constante e ao mais ínfimo pormenor, de trabalho intensivo e muito caro, que lhe granjeou fama internacional, é “insustentável”, defende agora. “Financeiramente e emocionalmente, enquanto empregador e ser humano, simplesmente não funciona”, diz ao NYT.
“Temos de repensar por completo a indústria”, sublinha. “Isto é simplesmente demasiado duro e temos de trabalhar de uma forma diferente.” “Em vez do trabalho árduo, cansativo e mal remunerado, sob condições de gestão precárias que desgastam as pessoas”, Redzepi quer que o novo Noma possa “provar ao mundo que é possível envelhecer, ser criativo e divertir-se na indústria”.
A notícia chega numa altura em que tanto o Noma quanto outros restaurantes de topo internacional enfrentam um maior escrutínio – e críticas – sobre as condições de trabalho dos funcionários, muita vezes mal pagos, outras vezes não remunerados de todo.
Até Outubro do ano passado, o programa de estágios do Noma, que fornecia ao projecto entre 20 a 30 funcionários a tempo inteiro, previa apenas a atribuição de visto de trabalho. Para muitos, um estágio no Noma era credencial suficiente, capaz de abrir portas para futuros empregos ou financiamento por parte de investidores. Jornadas de 16 horas de trabalho eram rotina no restaurante dinamarquês, de acordo com dezenas de antigos trabalhadores, conta o NYT. Manter os altos padrões do Noma, com preços que o mercado suportasse (uma refeição custa actualmente, no mínimo, 500€ por pessoa), e compensar quase uma centena de funcionários de forma justa não é viável, diz Redzepi.
No entanto, o chef garante ao NYT que a decisão de encerrar o Noma não se deve às críticas às condições de trabalho; ao pagamento dos estágios – com um acréscimo de 50 mil dólares (47 mil euros, aproximadamente) aos custos mensais; nem ao facto de o Noma não poder encabeçar novamente a lista dos 50 World's Best Restaurants, o mais prestigiado dos prémios no sector a nível internacional e que venceu por cinco vezes consecutivas.
A trabalhar profissionalmente na indústria desde os 15 anos, Redzepi assegura que queria sair do conceito de “linha de produção” da restauração há muito tempo. Mas foi a pandemia, e o período em que se viu obrigado a parar e a ficar em casa, que lhe deu tempo suficiente para questionar todo o modelo de negócio.
Os compromissos que já tinha estabelecido e a construção do Noma Projects, incluindo uma nova unidade de produção com capacidade para 60 a 70 funcionários a tempo inteiro, foram os motivos avançados para encerrar o Noma nos modelos actuais só em 2024.
De lembrar que o catalão El Bulli, primeira meca mundial da gastronomia contemporânea, de Ferran Adrià, também ele já considerado o mais revolucionário chef de cozinha do mundo, passou por um processo semelhante. Em 2011, fechou portas aquele que foi durante muitos anos considerado o melhor restaurante do mundo para transformar-se em fundação e, em 2019, ao fim de sete anos de pesquisa, tentando “entender o que é a cozinha e o que é cozinhar”, Adrià anunciava a reabertura do El Bulli, não como restaurante, mas enquanto laboratório e museu da inovação culinária. “A missão do elBulli 1846 é criar conhecimento de qualidade sobre a gastronomia de restauração e tudo o que a rodeia”, dizia à Reuters. Inicialmente previsto para 2020, deverá abrir em Julho deste ano.